Lou Reed maltrata, mas canta Velvet

Repertório difícil faz parte do público sair antes do show terminar

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Por Jotabê Medeiros
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Não foi uma noite fácil. Os desavisados saíam às dezenas do teatro do Sesc Pinheiros após uns 20 minutos de show. Foram surpreendidos por uma música cheia de distorções, sem melodias, sem padrões, sem canto, assaltos de urros e restos de sons urbanoide, como sirenes e metrôs. Como cães metálicos ganindo, a guitarra de Lou Reed gemia e o saxofone de Ulrich Krieger pareciam serras elétricas desgovernadas na noite de São Paulo.O show do Metal Machine Trio não seguiu o script do disco Metal Machine Music - An Electronic Instrumental Composition (RCA, 1975). Aquele álbum era feito somente de música aleatória, um manifesto de vanguarda ("Isso não tem significado para o mercado", advertia o cantor, nas notas do álbum). Dessa vez, com o Metal Machine Trio, Lou trabalhou a criação eletrônica ao vivo, com instrumentos eletrônicos e eletroacústicos, criando música em progresso. A referência ao álbum clássico foi dada somente 10 minutos antes do início do show - enquanto a plateia ainda se sentava, tocavam faixas do mais odiado disco do rock.Somente na metade do show é que Lou soltou algumas frases soltas ("O que você pensa? O que você vê?"), sob uma base que lembrava uma improvisação jazzística, mas um primo bem remoto desta. Com gestos enérgicos com as mãos, como um maestro da improbabilidade, Lou ordenava ao outro parceiro da noite, Sarth Calhoun, que operava os laptops ao vivo, para que castigasse a percussão eletrônica, ou estendesse efeitos.

No saguão fora do teatro, a plateia que fugia gargalhava aliviada. "Está insuportável", dizia a educadora Ísis de Palma. "É um desconforto que dá, é um incômodo", definia a professora. Ao final, a plateia que resistiu pediu e Lou voltou. Ciente de que submetera seu público a uma provação, encerrou com uma do Velvet Underground, I'll Be Your Mirror (a música é de 1967, do álbum The Velvet Underground & Nico, composta por Lou a partir de uma frase da cantora alemã Nico). Um solitário ato de generosidade de um eterno enfant terrible do rock. Depois, foi comer numa cantina italiana.

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