Livro analisa Beethoven e Schoenberg

A partir de dois casos específicos, analisando a própria essência do pensamento e da composição musicais ao longo dos séculos

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Por Agencia Estado
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Em Beethoven: O Princípio da Modernidade (ao analisar a importância de Beethoven e Schoenberg dentro dos contextos em que eles se inserem na história da música ocidental), Daniel Bento acredita estar, a partir de dois casos específicos, analisando a própria essência do pensamento e da composição musicais ao longo dos séculos. Em entrevista, ele questiona a idéia da ruptura com a tradição como ponto de partida desses autores, afirmando que ela foi, na verdade, seu ponto de chegada. Fala também sobre a resistência atual ao repertório do século 20 e da influência de seu trabalho como musicólogo na sua atividade como músico. Agência Estado - Como surgiu a idéia desse trabalho? Daniel Bento - Penso que nenhuma musicologia deve escapar de Beethoven ou de Schoenberg. É muito arriscado tentar isolar Beethoven do que se fez ou do que se quis fazer na música ocidental após ele. Da mesma forma, não dá para se pensar em música do século 20 sem Schoenberg. No livro, procurei estabelecer ligações entre os dois compositores por meio de um conhecido atalho entre o século 19 e o 20: a produção tardia de Beethoven. A idéia do trabalho nasceu da vontade de abordar a música dos dois, suas formas de pensar a composição musical. O sr. diz que Beethoven e Schoenberg viviam em "realidades musicais de estabilidade próxima à decadência". Poderia comentar esse conceito? Em retrospecto, um problema comum a Beethoven e a Schoenberg é que suas sólidas tradições formadoras musicais passaram por momentos críticos quando ainda tinham bons anos de composição pela frente. A "crise tonal" do início do século 20 é um processo que obviamente não afetou apenas Schoenberg, mas é notável como ele usou a velha tradição para tentar criar uma nova, como a ruptura não foi seu ponto de partida, mas, em certa medida, o de chegada. Já no caso de Beethoven, não se pode isolar de suas crises pessoais e criativas da segunda década do século 19 uma inevitável constatação de que o classicismo estava chegando ao fim. Devemos nos lembrar que já não se estava tão longe, nessa altura, de Chopin, Liszt e Schumann. Como Schoenberg, no entanto, Beethoven encontraria suas saídas em velhos artesanatos. O sr. afirma que o século 20 "precisa" de Schoenberg. No entanto, ainda se pode constatar uma espécie de resistência do público e, em muitos casos, também de músicos, ao repertório do século 20. Por quê? Acredito que essa resistência esteja diminuindo, basta ver os programas de concerto das nossas últimas temporadas e o ambiente musical universitário recente. No caso de Schoenberg, obras como a Suíte para Piano op. 25 já têm quase 80 anos e as piadas sobre música dodecafônica há muito perderam a graça, se é que um dia tiveram. Mas é possível, claro entender a resistência. O sistema tonal conseguiu a proeza única de se fazer passar pela própria música. O sr. alia análise e interpretação musical. Como as duas atividades convivem no seu dia a dia e interferem uma na outra? Diria que elas mutuamente se enriquecem. Mas a convivência entre elas é um pouco difícil de se organizar. Pode-se tratar das duas atividades num mesmo livro, mas dificilmente praticá-las ao mesmo tempo, o tempo todo. Ao longo do desenvolvimento desse trabalho, fui obrigado a ficar em certos momentos fora de forma como instrumentista, porém quando apresentei em recitais a sonata Hammerklavier de Beethoven, obra central do livro, tive de justamente esquecer todo o restante. Acho inestimável a segurança de se escrever sobre obras que estão nos seus dedos e na sua memória, ou de se tocar aquelas cujo pensamento interno já foi estudado. Jamais ingressaria em certas questões, como os andamentos, sem isso. Por outro lado, só poderia desejar a melhor sorte a intérpretes que quisessem se aproximar de obras como a Klavierstück de Schoenberg ou a Hammerklavier sem o auxílio de abordagens analíticas ou leituras especializadas. Em composições como essas a análise é uma ferramenta valiosa mesmo para se ouvir. Pensando nisso, evitei no livro a análise baseada em trechos representativos das peças, highlights. Todas elas são abordadas integralmente e conforme se desenrolam no tempo, o que influiu na estruturação do texto. Serviço - Beethoven, O Princípio da Modernidade. De Daniel Bento. Annablume Editora. 178 páginas. R$ 20,00. Amanhã, a partir das 19 horas. Sede da Annablume Editora. Rua Padre Carvalho, 275, tel. 3812-6764

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