Lenny Kravitz lança biografia sobre seus primeiros anos na música

Artista fala em entrevista sobre sua conturbada relação com o pai e sobre o fato de ser um negro no rock and roll dos anos 90

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Por Rob Tannenbaum
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Em Let Love Rule, seu livro de memórias, Lenny Kravitz relata os primeiros 25 anos da sua vida que culminaram com o lançamento do seu álbum de estreia em 1989. A história que ele narra não é sobre uma estrela (que se tornou depois, afirma), mas sobre as influências que inspiraram seu híbrido musical de soul e rock clássico.

Lenny Kravitz no Rock in Rio em 2011 Foto: REUTERS/Ricardo Moraes

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Kravitz começou sua carreira numa época em que o hip-hop e a dance-pop estavam em alta. Durante anos, à medida que o rap e a música eletrônica ficaram mais em voga, ele observou como os ideais de paz e amor dos hippies vinham atraindo aqueles que riam disto e começaram a parecer menos absurdos. Kravitz vendeu mais de 40 milhões de álbuns em todo o mundo e apesar de tocar música retrô lançou seu álbum Top 40, incluindo uma música que era um tributo a Lenny, It Ain’t Over til it’s Over e Fly Way, uma mistura de funk e rock. De 1999 a 2002, Kravitz conquistou quatro Grammys consecutivos.

“Ele é a personificação da calma”, disse o ator Jason Momoa, ator de Aquaman e de Game of Thrones. Momoa tem uma relação com a ex-mulher de Kravitz desde 2005, e todos se tornaram uma família reunida e ampliada. “É triste como algumas famílias não se dão bem”, disse Momoa. “Ele é super tranquilo, tem muito amor. Quando estou com ele sinto-me especial”.

A vida de Kravitz desde o início é repleta de revelações. A primeira é quando ele viu os Jackson Five no Madison Square Garden. Depois, um concerto de James Brown, que diz ter sido “meu segundo momento de mudança na vida”. Quando tinha 11 anos, sua mãe foi selecionada para um dos papeis principais na série The Jeffersons, uma novela interracial que mudou parâmetros, e a família mudou-se para Santa Mônica, Califórnia, onde rapidamente ele descobre Led Zeppelin, skates e maconha. A ópera Tosca. E, no mesmo nível de importância de Led Zepellin, Prince. “Quando vi Prince eu me vi”, ele escreve.

Ao lado desta série de monumentos musicais, ele desenvolve uma estreita relação com a mãe, a atriz Roxie Roker, “uma encantadora mulher caribenha americana” que conhecia todos os intelectuais e artistas pretos dos anos 1970, e um relacionamento difícil com um pai recriminador, o produtor de TV, Sy Kravitz, “um judeu seguro de si” cujos pais se recusaram a assistir ao seu casamento com Roxie.

“Sou profundamente dividido. “Preto e branco, judeu e cristão. Um nativo de Manhattan e Brooklyn”. Ele encontrou Bonet, estrela do The Cosby Show nos bastidores de um concerto. Como Kravitz, ela é filha de um casal mestiço. “Era como se ela fosse uma versão de mim”, escreveu. Ela pagou para ele gravar os demos que no fim levaram a um acordo com uma gravadora depois de ele passar anos rejeitando contratos que exigissem que mudasse seu estilo de música. E no fim de 1988 o casal teve uma filha, Zoë Kravitz, hoje uma atriz cujos papéis incluem uma série sobre uma fã obcecada de música, chamado High Fidelity.

Kravitz, de 56 anos, estava em sua casa nas Bahamas há seis meses quando conversamos no fim de agosto. Ele é um andarilho, portanto permanecer num único lugar por tanto tempo “é uma experiência nova”, disse. Numa entrevista pelo Zoom, usando jeans e uma camiseta do Talking Heads, ele falou sobre seu livro, se continua defensor da não violência, e a coisa “terrível” que seu pai fez certa vez. Abaixo, trechos da entrevista.

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Quando estava escrevendo seu livro, notou alguns padrões ou temas em sua vida? Muita aceitação e perdão. Pensei profundamente nessas coisas que nunca imaginei que eram tão curativas. Especialmente no caso do meu pai.

Quando tinha 16 anos ele o expulsou de casa e você teve uma vida errante durante alguns anos. Continuou irritado com ele? Antes de ele morrer (em 2005) nós fizemos as pazes. Foi muito bom. Mas não posso dizer que compreendo tudo, ou que aceitei o que ele fez. Ao escrever este livro consegui entendê-lo como homem, não como meu pai que cometeu tantos erros em diferentes áreas. Acabei gostando e amando-o ainda mais.

 Além do seu pai, houve outras coisas que você teve de aceitar em sua vida. Eu tive de me aceitar. E toda essa jornada para me encontrar foi uma estrada bem longa. Pensando que talvez não fosse tão bom, ou meu nome não estava correto, ou a música não era o que deveria ser. Outra coisa interessante é o espírito dentro de mim que não me permitiu assumir todos aqueles contratos. Quando um adolescente recebe propostas para contratos de gravação e está vivendo dentro de um carro, ou dormindo no sofá da casa de alguém, não tendo nada – fico realmente surpreso com o fato de não ter aceitado esses contratos. Algo dentro de mim resistiu.

As diferenças entre seu pai e sua mãe são marcantes. Ela o colocou em contato com a música preta, o teatro, a poesia. Seu pai, que era judeu, não pareceu muito interessado em ensina-lo sobre o judaísmo. Não, ele não se comunicava muito comigo. E não era religioso. Como muitos judeus na minha família, tudo tinha a ver com tradição e manter a ideia viva, especialmente depois do que pessoas da minha família sofreram na Segunda Guerra Mundial. Mas continuo indo ao templo e passo os feriados judaicos com a família.

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Há uma passagem no livro que trata do seu pai. Você estava com cerca de 19 anos de idade e descobriu que ele estava traindo sua mãe. Você contou a ela, que respondeu que já sabia. Então vocês três conversaram e ele lhe disse algo terrível: “Você vai trair, também”. Sim. Ele disse isto baseado na sua verdade. Ele foi para o Exército para sair de casa porque seu pai também enganava sua mãe. E agora estava repetindo a mesma coisa. Acho que ele imaginava que “esta é uma maldição geracional da qual não conseguimos fugir”. Foi a coisa mais terrível que podia ter dito. Essas palavras me queimaram por dentro. Passei a vida toda tentando lidar com isto. Contar uma mentira. Minha mãe achou que aquele era o momento de ele dizer: “filho, é terrível. É errado e espero que você aprenda com isto. Mas sua resposta foi: “você vai fazer isto também”, pegou sua mala e saiu pela porta da frente.

No seu mais recente álbum, Raise Vibration, de 2018, há uma música, Here to Love, onde você fala que amor e não violência são os únicos caminhos que levam à mudança. Mas na música seguinte, It’s Enough, parece que você duvida que podem contribuir. Você continua apegado àquelas crenças? No fim, acho que esse é o caminho. Mas podemos ver ambos os lados. Num certo ponto você sente a necessidade de recuar, pois não é uma pessoa violenta, é elegante, sensato. Mas então as pessoas passam por cima de você. A cada ano, cada década, achava que estávamos melhorando, seguindo para um ambiente melhor, lentamente. Sabendo que havia pessoas racistas, mas elas não podiam deixar às claras. Mas as pessoas estão perdendo a cabeça de um modo geral no planeta.

Um dos contratos de gravação que recusou anos atrás foi oferecido por John McClain, um executivo da A&M que queria que você se juntasse a uma banda que seria o Black Duran Duran. É uma pena que isto não ocorreu porque seria incrível. Estávamos no seu escritório e ele disse “vamos viajar pelo mundo, Sul da França, produzir vídeos como Rio, num barco, vestir belos ternos de linho. 'Mas eu disse que não podia’”. Interessante porque somos bons amigos até hoje. Ele e eu somos como irmãos de Denzel, e Denzel me colocou em contato com John. John é o único que juntou Michael e eu, quando compus e produzi uma música para ele.

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O campo da música ficou mais fácil para músicos negros que querem tocar rock’n’roll? Não vejo muito disto. O rock’n’roll em geral – em que ponto está? Branco, preto, seja o que for. Você vê garotos no Instagram tocando guitarra elétrica. Não querem rap ou hip-hop, eles querem os Stooges, MC5, Bowie, Marc Bolan. Tenho certeza de que algo vai resultar disto. Sempre sou otimista.

Seu livro termina quando você tinha 25 anos e lançou seu primeiro álbum. Você escreve: “não sabia então que a vida de uma estrela do rock é em igual medida uma bênção e uma carga perigosa”. Podemos afirmar com segurança que haverá um segundo livro que vai falar dessa dicotomia? Este livro é sobre meu trajeto para encontrar minha voz. O próximo será uma confusão real. Tudo mudou. O mundo não estava de olhos em mim, com as pessoas projetando suas ideias de quem eu sou. Mas depois você é jogado nessa cena mundial, a que você tem acesso e enlouquece. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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