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Lenda de B.B. King fica maior na despedida

Moleque de 81 anos, guitarrista encanta endinheirados no Bourbon Street

Por Agencia Estado
Atualização:

Posso ver nos jornais amanhã: B.B. King toca muito, mas ele fala a noite toda. A frase foi dita pelo próprio King, o debochado Rei da Temporada, que se esbaldou na noite de quinta-feira no palco do Bourbon Street, abrindo às 23h11 em São Paulo a sua Turnê do Adeus - que todos esperamos que não termine nunca. B.B. King desmentia a cada solo, a cada verso, em sua voz inigualável, que o mito da potência musical seja medido pela idade. Canto feito de explosões, de puro vigor, força natural, e ungido por uma ligação simbiótica com seu instrumento, a guitarra, ele cantou sentado, um tanto fora de forma, e mostrou por que é um dos maiores artistas de seu tempo. Aos 81 anos, ele brinca com a descoberta do ?tempo extra? emprestado pelo Viagra; diverte-se com a sua própria dança irresistível na compulsória cadeira; e flerta com as moças da platéia prometendo-lhes mais do que pode cumprir. Toma um copo de alguma coisa de um só gole, e depois despista: ?Suco de maçã?. Adorável fanfarrão, cobre o rosto como se ficasse envergonhado de suas próprias micagens, e o truque sempre funciona. Mas ele é infinitamente mais que um entertainer folgazão. Band leader de primeira, ele dividiu o show em duas partes. Numa parte, com músicas como Key to the Highway e a eletrizante Rock me Baby, ele usou toda sua banda de 8 músicos. No segundo bloco, dispensou os metais e ficou com as cordas, ladeado por seu guitarrista e seu baixista em canções como How Blue can You Get? e Ain?t That Just like a Woman. ?Ele é O blues?, disse o pianista e apresentador Jools Holland. Quando ele canta seu manifesto Blues Man, entendemos, em cada inflexão de sua voz, o que ele representa para o gênero. ?Tenho viajado milhas por aí/Parece que alguém queria me dar uma rasteira/Porque eu sou um bluesman/Mas eu sou um homem bom, entende??. ?Espero que me desculpem pelo meu inglês ruim?, continua King, voz seguida pelo teclado de James Toney, como se suas brincadeiras, bravatas e chistes fossem também uma música de passagem. Depois, canta a música de Bono, do U2 (?Vocês conhecem o U2??) escreveu para ele, When loves come to Town. ?O jeito dele tocar a guitarra é uma bênção: ele inventou um estilo que muitos copiaram. Mas foi sua voz que mais me surpreendeu. Quando ele se afastava do microfone, ela soava ainda mais alto na gravação?, contou Bono, sobre seu encontro com King. ?Sei exatamente o que vocês estão pensando?, ele grunhiu com o vozeirão que impressiona há 60 anos. ?Estão olhando para o velho B.B.King e estão pensando ?Que Velho o B.B. King?. E sabe o que mais? Vocês estão certos. Sou diabético, meus joelhos se foram, estou ruim das costas, e não consigo lembrar de muita coisa.? Mas é só cena, ele lembra de tudo perfeitamente. Elogia o palco que, recorda, inaugurou há 13 anos. Nada de gagá, pelo contrário, é inadmissível: o velho King vai pendurar as chuteiras no auge? Apresenta a banda duas vezes, mas até aí é só deferência a um grupo excepcional, que faz todos os caprichos do seu líder - entre eles, o engraçado trompetista James Bolden e o saxofonista Walter King, sobrinho de B.B. Ao final, King tocou seu maior clássico, The Thrill is Gone, e ainda chamou ao palco um guitarrista que o impressionou solando no braço do instrumento, Stanley Jordan. Justiça seja feita: todo o dinheiro dos ingressos leiloados para o show de quinta-feira do Bourbon, R$ 64 mil, foi para a Associação Cruz Verde, que cuida de crianças com paralisia cerebral. Além de tudo, o bluesman é de fato um good man.

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