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Kamau revisita ‘Non Ducor Duco’, disco de estreia de 2008 e marco do rap nacional

Rapper inicia celebração da data com show no Centro Cultural São Paulo no domingo, 28

Por Pedro Antunes
Atualização:

Ao caminhar pelo Ateliê Studio, na Bela Vista, em São Paulo, Marcus Vinicius Andrade e Silva teve um encontro com sua versão de si de uma década atrás. Como se visse, diante dele, o Kamau de 2008, de caneta em punho, beats disparados pelas caixas de som e um punhado de ideias na cabeça. “Isso tá acontecendo neste momento”, ele diz, ao telefone, enquanto ri. 

Há dez anos, Kamau finalizava e lançava Non Ducor Duco, a estreia dele como artista solo – depois de ter se firmado como integrante de grupos como Instituto, Simples e Consequência, todos responsáveis por ajudar a quebrar as correntes que teimavam em prender o hip-hop. O gênero é outro hoje, está nas rádios, soma milhões de visualizações no YouTube e de audições nas plataformas de música digital. Profissionalizou-se, cresceu e se expandiu. Nomes do rap contemporâneo são os novos rock stars, gente que fala com a molecada, como Emicida, Rashid, Rincon Sapiência, Baco Exu do Blues, Djonga, Flora Matos, Don L (a lista é longa e poderia, facilmente, chegar até o fim desse texto). 

Momentos. Kamau de 2018celebra o disco de 2008 Foto: Ênio Cesar

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O rapper volta a mergulhar naquele universo de 2008 no próximo domingo, 28, quando inicia a celebração dos 10 anos de Non Ducor Duco com uma apresentação no Centro Cultural São Paulo, às 18h. 

Na década passada, quando Kamau despontou e saiu-se bem na sua estreia solo, o hip-hop era outro. Existia um grande muro chamado preconceito, escalado aos poucos, um rapper puxando o outro até o topo. Principalmente, o movimento era mais desorganizado, mais sobrevivia do que vivia. Era comum encontrar canções de artistas com nomes trocados, títulos errados e créditos trocados, por exemplo. “Naquela época, lembro de encontrar músicas que eram minhas creditadas como do Consequência, ou do Simples que diziam ser minha. Era uma bagunça”, conta o Kamau de 2018. “Certa vez, me mostraram uma música chamada Princesa e o Plebeu, creditada a Kamau e Jackson. E eu fiquei confuso. Quando fui ver, era uma música chamada Sem Chance, do Consequência”, diverte-se.

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Por isso, Kamau era corajoso ao entrar naquele estúdio com quatro ou cinco batidas e algumas rimas anotadas para criar seu disco de estreia. Seu nome artístico havia sido escolhido em um livro de KL Jay, dos Racionais MCs, e significa “guerreiro silencioso”. Kamau fez o oposto. Fez barulho. 

Daí vem o título do álbum, Non Ducor Duco, frase escrita no brasão da cidade de São Paulo. “Não sou conduzido, conduzo”, diz a tradução. Era o que Kamau sentia, dez anos atrás, nesse esforço de se colocar sozinho a gravar um álbum. Título encontrado pelo rapper nos ônibus municipais, um daqueles milhares de detalhes da cidade grande que passam despercebidos durante o cotidiano e cantados no disco. “O título seria Parte de Mim”, conta. Seria o mesmo de uma das faixas do disco, criada por volta de 2005, mas a ideia foi deixada para trás depois que ele viu, num outdoor, um artista sertanejo (“não lembro quem!”) cujo disco tinha o mesmo título. 

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Kamau, ao entrar no estúdio, sabia como seu disco começaria e como chegaria ao fim. O miolo era a questão. No meio do processo, viveu um bloqueio que o fez ser incapaz de compor por seis meses. Como pagava o estúdio por hora, rodou a cidade, encontrou os amigos, buscou sobre o que escrever. “Foi então que fui para Curitiba”, ele conta. Passou uma semana na casa do produtor Vinicius Nave, com quem trabalhou em algumas batidas e, ao voltar, o nó estava desatado. 

Non Ducor Duco é um retrato de uma época, da vida noturna, do ritmo do rap de dez anos atrás, das questões pessoais que afligiam o rapper (como Vida, uma despedida de duas pessoas importantes para ele que se foram). Inclui nomes como Rincon Sapiência, Rashid, Emicida e Stefanie MC reunidos em Porque Eu Rimo, uma faixa direta, sem refrão, com versos íntimos sobre MCs que viriam a se tornar grandes. 

Kamau tem boa memória, o que o ajuda a viver essa volta ao tempo por conta dos shows de Non Ducor Duco – o que não afasta a dor das partidas vividas na época. Dias depois do primeiro show do disco, ele perdeu o amigo DJ Primo, alguém que o acompanhou durante todo o processo e participou da apresentação. “Ele foi muito importante para esse disco”, conta. 

Há um enigma temporal daqueles dignos de ficção científica aqui, veja só: talvez se Non Ducor Duco saísse hoje, teria chegado a um público ainda maior; ao mesmo tempo, se não houvesse existido em 2008, o hip-hop de hoje seria outro. “Eu estava arriscando ali. Tinha que dar tudo de mim”, diz. “Hoje, vejo a galera ouvindo esse disco como se fosse de hoje. Isso me deixa feliz.” 

KAMAU

Centro Cultural São Paulo. Sala Adoniran Barbosa. R. Vergueiro, 1.000, Liberdade, tel. 3397-4002. Dom. (28), às 18h. R$ 25.

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