
08 de dezembro de 2020 | 09h00
Para uma pessoa habituada a transformações, Jup do Bairro triunfou em 2020, um ano bastante atípico: a cantora, compositora e performer lançou sua carreira solo na música depois de anos de parceria bem sucedida com Linn da Quebrada, colocou na rede um EP explosivo (Corpo Sem Juízo), venceu a categoria revelação do ano no Prêmio Multishow e agora termina o ano finalista em duas categorias do Women's Music Event (WME Awards by Music2!), cuja cerimônia ocorre de maneira virtual nesta terça-feira, 8, às 21h, com transmissão no canal e nas redes sociais da TNT.
Nascida e criada no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, Jup queria lançar um disco muito antes: uma briga com um produtor, cerca de 10 anos atrás e por questões financeiras, porém, adiou o sonho. De lá para cá, ela se consolidou na cena independente paulistana como cantora, DJ, performer e atriz. A vontade de retomar o trabalho na música e lançar um projeto voltou em 2018. "Ainda vivendo no Capão Redondo, a gente tem uma barreira muito grande de acessibilidade e produção, principalmente no recorte da música, em que os materiais, instrumentos são caros, isso acaba sendo difícil fazer um trabalho de qualidade, com satisfação."
A saída, para ela, foi tentar um financiamento coletivo. "Comecei a refletir na importância em transmitir responsabilidade também para o público", reflete a artista sobre o processo. "É importante entender o que a gente come, veste e ouve… principalmente na criação de novas possibilidades, novos imaginários. Em 2019, uma guerra cultural estava sendo instaurada, com nossos direitos ameaçados, suportes de arte e cultura em declínio, foi quando precisei inventar e entender o que poderia ser feito. Estudei muitas campanhas, compilação de outros artistas, fui fazendo de uma forma subjetiva, mandei mensagens para Kim Kardashian e Taylor Swift (risos), fiz dublagens. Foi uma campanha totalmente sem dinheiro, articulando pessoas para trabalhar, mas a princípio foi na crença. O que eu tinha à minha disposição era um smartphone. Quando vejo, é como se mais de uma década tivesse me preparado para esse momento."
O resultado é Corpo Sem Juízo, um EP de sete faixas em que ela mistura influências do rock ao rap, passando pelas produções eletrônicas com gosto de festas em galpões realizadas na Mooca ou no bairro da Armênia. Deize Tigrona, Rico Dalasam, Linn da Quebrada e o rapper Mulambo colaboram em algumas canções, que fazem uma reflexão contundente sobre as possibilidades de corpos diversos no mundo atual, hiperconectado. O disco é indicado na categoria melhor álbum do ano no WME Awards, e a cantora também concorre como revelação do ano.
"Costumo dizer que o corpo marginal possui um chip de adaptação ao tempo", diz Jup. "Porque essas dificuldades, de fazer shows, ganhar um bom cachê, ser chamada para publicidade, eu já tinha que lutar muito por isso. Precisei então fazer nesse isolamento coisas que já fazia antes. É uma semiótica muito importante. As pessoas falam que estamos vivendo o fim dos tempos, mas na verdade o apocalipse já aconteceu, já andamos sobre os escombros. Se a pandemia é o medo de sair de casa e morrer, a população trans, preta, já passa por isso há muito tempo."
Jup conta que compõem canções desde os 13 anos (ela está com 31). Era uma espécie de terapia barata, na qual ela usava a música e a escrita como forma de materializar o que pensava. Começou se envolvendo na cena punk, desenhar e escrever zines (cujo conteúdo sobre sexualidade e gênero contrastava com a imagem que ela dizia ter de "bichinha crente"), passou a frequentar saraus e batalhas de rimas ("meu berço é o hip hop"), e também teve uma ligação com a quadra da escola de samba Camisa Verde e Branca. Toda essa formação está, de uma ou outra forma, em Corpo Sem Juízo.
"Quando penso na indústria institucional, vejo que ela não foi preparado para o ingresso do meu corpo", comenta ainda Jup. "Preciso ir entendendo como trazer as estratégias ao meu favor. Quando recebo indicações de prêmios, quando recebo prêmio do Mutishow… não acredito que seja um peso de valores, não acredito que meu trabalho tenha sido o melhor ou pior, porque a arte não é corrida de cavalo. Tenho tomado muito cuidado para não me emocionar, mas é importante reconhecer possibilidades de criação de imaginários. Comecei com zero reais, agora estou recebendo reconhecimentos, mas penso nessas movimentações. O que seria o sucesso de fato? Estou batalhando para engrossar o caldo do feijão, quero dividir com meu público todas essas dores e delícias. Não posso representar ninguém, a representatividade acaba sendo uma faca de dois gumes: ao mesmo que "representa", pode deixar outras pessoas estáticas… 'A Jup já está lá me representando, vou colocar todas minhas perspectivas sobre ela, e quando ela não atingi-las, vou cancelá-la porque ela não vai ser mais a minha fada sensata' (risos)."
Fada sensata ou não, Jup compartilha conosco uma trajetória admirável numa geração muito recente da nova música brasileira.
A 4.ª edição do Women's Music Event ocorre nesta terça-feira, 8, às 21h, em um formato híbrido, com as cantoras Preta Gil e Karol Conka como anfitriãs da noite que premiará mulheres em 17 categorias, com transmissão da TNT. Veja a lista completa de indicadas:
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