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José Miguel Wisnik lança "Pérolas aos Poucos"

Pérolas aos Poucos é um trabalho quase transparente de tão leve. Wisnik assina a maior parte das canções. Ouça Presente

Por Agencia Estado
Atualização:

Trabalho de texturas delicadas, melodias que poderiam ter um caracol como representação gráfica - enrodilham-se, mas as frases não são concêntricas - e poesia que também dá voltas em volta de si (seja assinada pelo titular, seja por seus parceiros, eventualmente induzidos pelo critério melódico), Pérolas aos Poucos é um trabalho quase transparente de tão leve, sensação acentuada pelo trabalho de capa e encarte em óleos e aquarelas muito claros. É um truque, naturalmente, que percorre toda a obra autoral de José Miguel Wisnik, a elaboração da simplicidade (ou a simplificação do elaborado), um trompe l´oeil (a licença tem antecedentes: Cortázar usa a expressão para falar de música). Já a primeira faixa, que dá título ao CD e é repetida, em versão instrumental, usa instrumentação grande: pianos (no plural, por Wisnik), flugels, trompetes, teclados, vibrafone, contrabaixo acústico, agogôs, timbaus, xequerês, taróis, caixa - mas o que você ouve tem luz calma de tarde de outono. Wisnik assina a maior parte das canções e divide o crédito de outras com os letristas Paulo Neves, Jorge Mautner, Luiz Tatit, Alice Ruiz; assina a letra da Valsa Azul, para melodia de Nelson Ferreira, e musica um poema de Drummond, Anoitecer: "É a hora em que o sino toca/ Mas aqui não há sinos (...) é a hora em que o pássaro canta/ Mas aqui não há pássaros." O compositor foi buscar no poeta maior uma obra com o jogo de ida-e-volta presente nos versos de todo o disco. O que é explícito no fluido Tempo sem Tempo, parceria com Jorge Mautner: "Por algum tempo/ O tempo dá voltas e curvas/ O tempo tem revoltas absurdas"; ou no só dele quase-boogie O Extremo Sul: "Sabemos bem que vai e vem o esquecimento/ que leva tudo/ e nos mantém vivos suspendidos no tempo." A sugestão é mais sutil na Valsa Azul: "Eu só sei que vi/ No chão se abrir/ Pra flor do espanto meu/ Um poço sem fundo/ E lá no fundo/ O céu." Belo. A sofisticada baiana Jussara Silveira faz voz de pastora no Baião de Quatro Toques; Caetano Veloso aproxima seu timbre peculiar do de Wisnik no pós-moderno Assum Branco, trabalho de inversão melódica e avessos poéticos ("Quando ouvi o teu cantar/ Me lembrei nem sei do quê"). Ná Ozzetti trabalha do médio para o agudo na lenta Sem Receita, versos de Alice Ruiz, e Elza Soares mostra seu melhor momento fonográfico dos últimos tempos no afro Presente. Bom, esse presente.

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