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John Scofield mergulha no funk-fusion

Por Agencia Estado
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O guitarrista norte-americano John Scofield ainda é pouco conhecido no Brasil, apesar de suas três passagens pelo circuito jazzístico de Rio e São Paulo, a primeira no Free Jazz Festival de 1997, em que acompanhou Herbie Hancock, ao lado do tenorista Michael Brecker e do baterista Jack De Johnette; a segunda em 1999, como atração do Heineken Concerts; e a terceira em outubro passado, quando se apresentou com sua banda no Bourbon Street Music Club. Respeitadíssimo entre seus pares, Scofield é uma espécie de "guitarrista dos guitarristas" - não por acaso fez duetos com astros contemporâneos do instrumento, como Mike Stern e Pat Metheny (com Metheny, chegou a dividir o CD I Can See Your House From Here). E em seu currículo como acompanhante, figuram trabalhos ao lado de nomes como Charles Mingus, Gary Burton, Chet Baker e Bill Cobhan. Com tal prestígio e já beirando os 50 anos, Scofield poderia contentar-se em tocar uma carreira consolidada, fazendo mais "do mesmo" e recolhendo prêmios e dólares por águas seguras. Nos últimos dois anos, porém, ele vem retomando a dificílima e arriscada navegação pela fusion - a vertente mais contestada do jazz, que costuma produzir de manifestos herméticos a monumentos ao mau gosto. O estilo não é algo novo para Scofield. Na verdade, nada novo. Um período marcante de sua carreira foi aquele em que acompanhou o trompetista Miles Davis, então no auge de sua viagem jazz-rock, em álbuns como Star People (1982), Decoy (1983) e You´re Under Arrest (1985). O som desta época é o ponto de partida para a fase atual de Scofield. Com A Go Go (1998) e, agora, com Bump, ele acerta o alvo, criando um balanço que soa ao mesmo tempo retrô - mostrando-se aplicado nas lições deixadas, por exemplo, pelo Weather Report dos melhores tempos -, e futurista - zarpando de onde o fusion se perdeu, em algum ponto dos anos 80, para propor novos rumos. Aqui, apesar do domínio técnico perfeito, sobra lugar para o arrojo, a emoção e o prazer. Numa atitude que faria um purista como Marsalis urrar, Scofield chamou o tecladista Mark De Gli Antoni, oriundo do Soul Coughing, para contribuir com samplers em metade das faixas. Mas o trabalho com overdubs e efeitos flui com tal parcimônia e naturalidade que jamais obscurece a elegância de seu som. Solista que não esconde o talento dos acompanhantes, Scofield oferece generoso espaço para brilho do baixista David Livolsi, que abre o disco com impacto (Three Sisters) e tem destaque em mais duas faixas do disco. A batida à qual o título faz referência é especialmente sentida na empolgante Kelpers. Mas há também uma breve incursão pelo clima reflexivo em We Are Not Alone. O trabalho de sampler é mais elaborado em Chichon, que seria um equivalente em espanhol para bump. Nela, a rotação de fundo parece tornar-se um pouco mais lenta, enquanto os sons do baixo e da bateria vão se entrelaçando, numa "conversa" cheia de climas. Parece não haver lugar para sobras nem "tapa-buracos" no trabalho, já que todas as gravações são recheadas de idéias e de vontade de experimentar, como se comprova em Kilgeffen. O que destoa do conjunto é "Swinganova", uma equivocada tentativa de emular o ritmo brasileiro. Embora passe longe de revivals oportunistas da bossa nova, o resultado deixa muito a desejar, com suas congas e batuques caribenhos. Mas é um deslize perdoável a um pesquisador que aceita correr riscos, e que não compromete a classe e a honestidade do projeto. A produção do disco é do mesmo Lee Towsend que planejou seus últimos seis álbuns, além de I Can See Your House From Here. "Lee também é guitarrista, o que facilita bastante as coisas", lembra Scofield. O CD é acompanhado por dois vídeos curtos para serem vistos no computador. No primeiro deles, o músico explica a escolha dos artistas e sua opção pelo funk-fusion. "Queria fazer algo dançante mesmo", diz um Scofield pouco à vontade diante da câmera. O segundo mostra um ensaio de Blackout, uma das faixas mais vibrantes do trabalho, em que é possível acompanhar o "arredondamento" do arranjo, em diálogo musical com o baterista Eric Kalb.

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