John Lee Hooker morreu em plena atividade

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Por Agencia Estado
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Morreu o rei do boogie, John Lee Hooker. O bluesman que forneceu a centelha para guitar heroes do rock - entre eles, confessadamente, Keith Richards, Stevie Ray Vaughan, John Mayall, George Thorogood, Eric Burdon e Eric Clapton. O guitarrista Carlos Santana, reverente, dizia que ele fora "uma força superior dentro da música americana". Morreu dormindo, o velho Hooker, mas não estava parado - como de resto, nunca esteve. No dia 30 deste mês, era aguardado em Montain Winery, em Saratoga, na Califórnia, para recomeçar turnê que passaria depois por San Diego e Seattle. Nascido em 22 de agosto de 1917 em Clarksdale, Mississippi, Hooker estava perto de fazer 84 anos, dos quais pelo menos 70 foram dedicados ao blues. Era considerado a ponte entre a tradição do blues acústico do Delta do Mississippi e o r&b elétrico de Chicago. Embora tenha sido desde moleque uma figura fundamental da cena musical de Detroit, onde se estabeleceu em 1943, Hooker só gravou seu primeiro single, Boogie Chillen, em 1948. Surpreendentemente, aquela canção crua se tornou um hit, alcançando o topo das paradas de rhythm´n´blues. Ele não parou mais e começou a escrever parte da história do blues com singles como Hobo Blues, Hoogie Boogie e Crawling Kingsnake. Em 1951, com I´m in the Mood, Hooker selou a lenda. Nos anos 50, ele gravou sob uma grande variedade de codinomes, como Texas Slim, Delta John, Birmingham Sam e Johnny Williams. Entre os anos 50 e os 60 gravou mais de uma centena de canções, incluindo sucessos como Time Is Marching, I Love You Honey, Baby Lee, No Shoes and Boom Boom. Esse momento inspirado de Hooker, os anos 50, pode ser revisitado agora em qualquer loja. Há poucos meses, a gravadora Trama lançou King of the Boogie, disco fundamental do guitarrista e cantor daquela época, dentro de um pacote intitulado Drive Archive Collection. A era hippie já veio encontrar Hooker como uma referência musical. A primeira turnê de Bob Dylan, em abril de 1961, foi abrindo shows de Hooker no Greenwich Village. Mas também o jazz reconheceu sua fundamental importância para o desenvolvimento da música americana. Um dos golden boys do jazz, Branford Marsalis, gravou em 1997 I Heard You Twice The First Time, no qual convidava Hooker para tocar e cantar em Mabel, uma faixa de sublime inspiração. Também naquele ano, 1997, ao lançar seu disco Don´t Look Back (que tem produção de Van Morrison), Hooker falou à Agência Estado por telefone, de São Francisco, onde vivia. "O passado sedimenta o caminho, mas é preciso olhar sempre para a frente", disse o guitarrista, que também revelou que não foi influenciado inicialmente por Blind Lemmon Jefferson, como sua biografia oficial fazia crer. "Minha primeira e maior influência foi meu padrasto, que amava o blues e me guiou nos primeiros passos", ele contou. Disse que ficou rico tocando o blues, mas que aquilo não mudou seu jeito de ver as coisas. E atacou: "Detesto rap, não é música, é ruído." Para John Lee Hooker, seu melhor disco seria sempre o próximo, o que ainda não fizera. "Como eu disse, nunca olho para trás", afirmou. "Aprendo com o passado e respeito o passado, mas vou para diante, estou de olho no futuro." Segundo Hooker, o blues mantinha-se em evidência - ao contrário do jazz, que perdeu muito espaço nos anos 90 - por ser uma música de linguagem universal e de fácil compreensão. "E é tocada com alma, o que a faz especial", ponderou. Com The Healer, de 1989, Hooker tornou-se o maior vendedor de discos de blues da história. É o álbum do gênero mais procurado. Em 1998, ele ganhou dois prêmios Grammy. Movimentava sua carreira e não se deixava apanhar na armadilha da acomodação. O álbum John Lee Hooker - The Best of Friends (Virgin Records) traz uma impressionante miríade de fãs famosos do músico: Ben Harper, Ry Cooder, Charlie Brown, Ike Turner, Los Lobos, Van Morrison, Eric Clapton, Robert Cray, Charlie Musselwhite, entre outros. Recentemente, foi lançado o disco Stoned Immaculate, no qual se promove um dueto inesperado (e virtual, já que nunca aconteceu) entre John Lee Hooker e Jim Morrison. A faixa era Roadhouse Blues e é a melhor coisa do álbum (além de uma declamação de William Burroughs). Nesse momento, quem sabe, Morrison e Hooker não estejam fazendo de fato uma jam session no paraíso.

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