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João Marcello: 'Nós, homens, matamos Elis Regina'

Filho da cantora, o primeiro personagem da série de entrevistas abertas do Estadão, fala de suas memórias mais doloridas reveladas no livro 'Elis e Eu'

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Por Redação
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João Marcello Bôscoli viu de tudo desde cedo, tudo o que o bom senso permitia e não permitia. Artistas migraram para sua casa ansiosos para serem gravados ou tocarem com sua mãe. Os verdadeiros eram poucos e o que ele mesmo criança percebia era a presença de "bajuladores, parasitas e interesseiros", como o próprio chamaria anos mais tarde. A morte de Elis, em 19 de janeiro de 1982, separou os homens dos espectros. A maioria sumiu e João ficou ali, tentando entender o que havia acontecido com tantas pessoas para terem se transformado em poeira de um dia para o outro.

Gilberto Gil e Elis Regina, década de 1970. Foto: Acervo/Estadão

O projeto Julio Maria Convida recebeu na Casa de Francisca na noite de terça (22), João Marcello Bôscoli para sua primeira entrevista sobre o livro que lança agora pela editora Planeta. Elis e Eu, 11 anos, 6 Meses e 19 Dias com a Minha Mãe é o relato das memórias de um garoto que perdia a mãe enquanto o País se despedia de uma de suas maiores cantoras.

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Para uma casa estava lotada, João reafirmou o que o levou a escrever seu livro só agora, aos 49 anos. "Eu queria que meus dois filhos soubessem da história que vivi. E queria contá-la para as pessoas que me perguntam todos os dias de minha mãe." Uma passagem do livro foi mencionada ali, reforçando o dia em que sentiu como as pessoas estavam diferentes. Estava João passando em frente ao antigo parque de diversões Playcenter com um amigo de sua mãe quando perguntou a ele se não era possível visitarem o lugar. "Eu não faço isso por meus filhos, por que faria por você", foi a resposta.

Quem seria, para João, o culpado pela morte de sua mãe? Ele cita uma frase de Henfil, "nós, homens, matamos Elis". E desenvolve, dizendo que a angústia da cantora havia começado com a forma que os homens a tratavam, com suas crises e inseguranças da idade e desaguado na separação de seu último marido, Cesar Camargo Mariano. "Você acha normal uma mulher jovem subir o vestido e perguntar para outra pessoa se ela está bonita ainda?" Perguntado pelo jornalista, João diz que nunca percebeu sua mãe alterada pelo suposto consumo de drogas. Nos meses finais, no entanto, relata uma festa em que teria presenciado a movimentação estranha em sua casa, com todos os indícios da presença de cocaína.

Dos episódios hoje engraçados, ele se lembra de quando roubou duas notas gordas da bolsa de Elis, o que o levou a sofrer o primeiro grande castigo de sua vida. Elis o colocou para fora de casa, fazendo com que dormisse em uma casinha de brinquedo no quintal por três dias. Outra vez, sofreu a ira da mãe por ter ido passar uma tarde na casa de um amigo de escola, filho do então vice governador de São Paulo, José Maria Marin.

A plateia se emocionou com a resposta à pergunta que dizia respeito ao peso que poderia haver nas costas de um filho de Elis Regina. "Não é pesado, não mesmo. Eu poderia ser um filho profissional de Elis se essa fosse uma profissão. Vale a pena. Peça para as pessoas cantarem aqui três músicas de Carmen Miranda ou qualquer cantora dessa época. Não saberão. Mas vão se lembrar de pelo menos 11 da Elis." E soltou farpas em Roberto Carlos: "Daqui a 100 anos, ninguém mais vai saber quem ele foi, mas vão saber quem foi Elis Regina. E não dá para comparar a voz dos dois."

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