João Donato e Paulo Moura se apresentam no Sesc Pinheiros

Os dois unem piano e sax e seus sagrados improvisos no CD Dois Panos para Manga, que lançam no show

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Por Agencia Estado
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O pianista João Donato e o maestro Paulo Moura se conhecem desde os anos 50 quando, recém-chegados ao Rio, para aprender e viver de música, dividiam tardes e noites na Tijuca, na zona norte, onde moravam, ouvindo e tocando os hits de seus ídolos. Apesar disso, só agora eles dividem um disco inteiro, Dois Panos para Manga, que será lançado neste fim de semana, no Sesc Pinheiros. O CD é tão redondo que até surpreende como ninguém teve a idéia antes. São oito faixas com muito improviso e puro jazz, num repertório recorrente nos fãs clubes que reuniam os músicos que, mais tarde, forjariam a bossa nova. O mais famoso era o Sinatra-Farney, que homenageava os dois galãs cantores da época. O título, mais que alusão ao dito popular, é uma homenagem ao diretor de cinema e televisão Carlos Manga. "Além de rei do cinema brasileiro, diretor dos grandes filmes da época e marido da estrela de todos, Eliane Macedo, ele era presidente do fã clube e foi muito importante para nós, pois lá aprendíamos a tocar. Não era como hoje, que todo mundo pega a música na internet. Era preciso um amigo ter o disco e te deixar ouvir até tirar a música, porque não havia gravador. Era difícil à beça", lembrou Donato na segunda-feira, quando eles apresentaram o repertório à imprensa. "Há pouco tempo, numa festa na casa do Manga, ele nos pediu para tocar aquelas músicas e aí tivemos a idéia do disco. Gravamos coisas da época e fizemos duas músicas novas. Como vamos ensaiar umas quatro vezes até o show, devem pintar outras até lá." Moura lembra que o duo pouco usual, piano e sax, já foi formado por feras do jazz como Benny Goodman e Teddy Wilson. No caso deles, é um reencontro. Depois do começo juntos, se separaram musicalmente. "Tivemos um grupo, com o Bebeto Castilho no baixo (que depois foi para o Tamba Trio) e o Everardo na bateria. Gravamos um compacto, mas só durou o tempo da nossa juventude. Depois eu comecei a tocar coisas mais brasileiras e o Donato, a reclamar que eu tinha ido para o choro", brinca Moura. "Fizemos uma música naquela época, Barão de Mesquita, um batuque, que não entrou no disco, mas estará no show." Além dela, estará também a letra que Lysias Ênio, irmão de Donato, fez para Pixinguinha no Arpoador, uma das duas novas que estão no CD. "A gente se encontra e faz música na entrada e na saída, mas ainda está aprendendo a letra do Lysias", conta Donato. Apesar das décadas em caminhos diferentes, o entrosamento dos dois foi imediato. Tanto no disco, gravado entre fevereiro e março, quanto na audição da segunda-feira, mais que exibir virtuosismo e maestria, eles querem mostrar como é bom ouvir aquelas melodias, brincar com as harmonias e passear por um repertório de standards estrangeiros (como Tenderly e On a Slow Boat to China) e brasileiros (como A Saudade Mata a Gente e Copacabana), às vezes misturando-os na mesma faixa, como acontece em Swanne, sucesso inicial de George e Ira Gershwin, com citação de Na Cadência do Samba, cuja versão de Waldir Calmon virou hino do futebol brasileiro. "É influência da Copa do Mundo", brinca Donato, que não perde uma piada. "Esse repertório foi todo tirado da memória. O que fizemos para o disco também." Especialmente Pixinguinha no Arpoador, que cita Carinhoso e refaz , dois clássicos que ninguém pensara em juntar até então. "Aconteceu o que Tom sempre ensinou. Quando a gente é imatura imita quem é bom. Quando amadurece, copia mesmo. Então, juntamos Carinhoso e La Vie en Rose." Sopapo, a outra inédita do disco, também surgiu de uma brincadeira. "Ganhei um tambor de Pelotas e fiquei tocando enquanto o Donato improvisava no piano. Esse entrosamento acontece porque nós dois começamos da mesma forma, tocando em gafieira e aprendemos que, quando a música é boa, mexe com as pessoas. Art Blakey dizia que sabia que agradava quando as pessoas marcavam o ritmo com o pé", filosofa Moura, com alguma discordância de Donato. "Eu gosto quando dançam enquanto toco porque aí ninguém presta atenção e eu toco melhor", diz maroto. "Mas a música tem a função de alegrar os corações, chegar ao interior das pessoas e ter o efeito de um bálsamo. O próprio clarinete tem um som nostálgico, provoca lembranças em quem o ouve", rebate Moura. "Num encontro como esse, são opiniões convergentes que se juntam. É sempre um prazer e uma grande brincadeira também." Embora afiadíssimos, os dois ensaiam há duas semanas um repertório que conhecem de cor e salteado. Moura declara o prazer de tocar com um companheiro de tanto tempo músicas que ele e todo mundo gosta. Donato faz charme. "É difícil repetir o que saiu no estúdio. A gente tem que se dedicar", diz ele, justificando uma recusa em tocar Barão de Mesquita, aquela da Tijuca e da adolescência. Não adianta, porque Paulo Moura toca a introdução e o pianista não se contém. Segue até o fim. "Ficou bacana porque é exatamente como eu não me lembrava mais", conclui Donato. O show do Sesc Pompéia promete e é bom correr, porque além das duas récitas, a reunião dos dois só volta a acontecer após a Copa do Mundo. João Donato e Paulo Moura. Sesc Pinheiros (720 lug.). Rua Paes Leme, 195, 3095-9400. Amanhã, 21 h; dom., 18 h. R$ 15 e R$ 30.

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