Jards Macalé canta Moreira da Silva em SP

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Por Agencia Estado
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Jards Macalé, no palco, e Moreira da Silva, no imaginário brasileiro. Ao reler o repertório de Kid Morengueira, o último malandro, Macalé, o "diabólico", passa por um período muito especial da música brasileira, cheio de perspicácia, humor, inteligência e, lógico, samba de breque. Nesta quinta-feira, Macalé vai mostrar a sua interpretação para a obra de Moreira, no Supremo Musical, que foi registrada no novíssimo CD Macalé Canta Moreira, lançado este ano pelo selo independente Lua Discos. Tudo começou em 1976. Os famosos breques Cuidado Moreira e Etelvina, Acertei no Milhar estavam pertinho de Macalé, mais precisamente no mesmo palco. Por uma sugestão do produtor e agitador cultural Hermínio Bello de Carvalho, Macalé e Moreira da Silva formaram dupla naquele ano, para algumas apresentações. Imaginem: só a prosa dos dois valia o ingresso. Primeiro, cantaram no projeto Seis e Meia, no Teatro João Caetano, no Rio. Depois, seguiram para o restante do Brasil. Cuidado - Embora o contato tenha sido firmado na ocasião, Morengueira já era mestre de Macalé havia muito tempo. "Moreira era muito engraçado. Toda vez que alguém sorria e falava pra ele ´Cuidado Moreira´, imediatamente ele sacava do bolso sua pistola imaginária. O Rei do Gatilho era o nosso melhor caubói", recorda Macalé. "As pessoas, pelo País inteiro brincavam com isso. Essa é a popularidade desejada por todos, porque não é só respeito, é admiração e saber que, se ele sorria era de verdade. O seu personagem era integralmente vivido por ele. A gente se divertiu muito!" O malandro, que hoje pode ter um sentido pejorativo, inspira várias gerações da música brasileira. "Moreira inventou a figura do malandro para viver malandramente a malandragem", analisa Macalé. O personagem de Moreira vestia-se bem, falava corretamente, era elegante, evitava brigas, era honesto e, acima de tudo, amigo das mulheres. Moreira explicava: "Malandro de verdade é o cara que entra na boate, escolhe a dama, espera que o cara que está com ela fique bêbado e colhe frutos. O bom malandro é o que ri por último." Durante a produção de Macalé Canta Moreira, não apenas a inventividade do malandro e seu bom humor vieram à tona. "Chorei algumas vezes", conta Macalé. Não foi só ele. O projeto de Moacyr Luz, co-produtor desse disco, foi uma das recentes iniciativas mais bonitas da indústria fonográfica. Além desse CD, foram gravados os álbuns Samba Guardado, de Guilherme de Brito (parceiro de Nelson Cavaquinho), e o de Casquinha da Portela. Durante as gravações desses discos, a emoção correu solta. Macalé conta que teve medo de reler a obra do malandro. "A cada momento, eu me desafiava e questionava se poderia representar bem o Moreira", diz. "Mas, conforme o CD ia ganhando um traçado, tomando corpo, eu fui me tranquilizando." Quem ouve Macalé Canta Moreira sabe que o malandro realmente passou o chapéu para o "diabólico" (já que maldito não lhe cabe mais, rótulo que se tornou datado perante a continuação da sua atitude e coerência de artista independente). "Senti isso quando chamei Vittor Santos para fazer a orquestração, pois eu queria esse tipo de formação de banda, que na essência, tivesse, por exemplo, a linguagem da gafieira. É o meu primeiro disco dançante! Quando percebi a minha criação se desenvolvendo em cima do repertório de Moreira, fiquei seguro. Era eu interpretando e o malandro perto de mim." Outros craques - Também estão perto dele Orlando Silva, Billy Blanco, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Francisco Alves e uma porção de gente importante na construção da música brasileira. Moreira também sintetizava essa geração. "O seu persongem, às vezes, encombria o grande cantor que ele era", afirma Macalé. Entre uma de suas peripécias, há a audácia de mudar o dia do seu aniversário, 15 de junho, para 1.º de abril. Dizem que era para rir do mundo. Com Moacyr Luz, Macalé escolheu um repertório de hits e de canções pouco conhecidas, mas todas são preciosas. "Eu já tinha em casa muita coisa do Moreira, mas, antes de ele morrer, eu tinha pedido uns discos emprestados, que acabaram ficando comigo." Entre as clássicas, está Acertei no Milhar, já "apropriada" por Macalé: "Etelvina!/ Que é, Macalinhas?/ Acertei no Milhar, ganhei quinhentos mil/ Não vou mais trabalhar." É uma das poucas composições tocadas apenas por violão no CD, que será a formação de palco do show de amanhã. A conhecida Amigo Urso, de Henrique Gonzales, é outra pérola. E Macalé, sabiamente, incluiu a Resposta do Amigo Urso, de Maria Nazaré Maia e Moreira. O repertório do malandro "tira um sarro" da nossa realidade e condiz com o humor satírico de Macalé. Prova disso é Margarida, parceria com Zózimo Ferreira: "A minha canja de galinha se acabou/ E estou cansado de enfrentar ao batedor/ Eu vou morrer/ Fui trabalhar num restaurante/ Pra poder comer bastante." Selando esse encontro único, ele canta ainda Tira os Óculos e Recolhe o Homem, música feita pelos dois, que participou do festival de 1979 da TV Tupi. Macalé ainda "conversa" constamente com seus antigos companheiros de música, como Gláuber Rocha, Torquato Neto, Abel Silva, Bertolt Brecht, Wally Salomão e Capinam. Essas parcerias encontram-se no CD O Q Faço É Música. Macalé tem composto a partir dos versos de Gregório de Matos, poeta que deve ser tema de filme de Ana Carolina. A cineasta já pediu trilha para Macalé. Outra novidade é a música com Ana de Hollanda, chamada Um Filme. A canção dá nome ao disco que ela vai lançar este ano. Jards Macalé. Quinta, às 22 horas. R$ 10,00 (reserva de ingressos até as 21 horas). Supremo Musical. Rua Oscar Freire 1.000, tel. 3062-0950.

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