Jamil Maluf recupera intenções de "Carmen"

Edição crítica da clássica ópera, com os cortes autorizados por Bizet, embasa montagem que estréia em São Paulo, com a Orquestra Experimental de Repertório

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Por Agencia Estado
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Carmen talvez não seja a primeira obra que venha à cabeça quando a orquestra que vai interpretá-la tem como perfil inovar no repertório. No entanto, o público que for ao Alfa, a partir de quarta-feira, não verá apenas mais uma Carmen mas, sim, uma montagem - com elenco quase que em sua totalidade nacional - diferente, tanto na abordagem musical como na cênica. Ao menos, é o que prometem o diretor musical Jamil Maluf, que rege a Orquestra Experimental de Repertório, e os diretores cênicos Carla Camurati e Hamilton Vaz Pereira. No que diz respeito à música, uma das primeiras medidas, segundo Jamil Maluf, foi escolher o elenco por meio de audições, o que possibilitou a composição de um time de cantores jovens e, em grande parte, brasileiros. São eles: Luciana Bueno e Rita Medeiros, as duas meio-sopranos a interpretar Carmen; o mexicano Fernando de La Mora e Marcello Vanucci, tenores que cantam D. José; Paulo Szot como Escamillo; e a coreana Yunah Lee e Guiomar Milan, as duas como Micaela. Guiomar, aliás, é um dos exemplos de jovens artistas que têm com a Experimental de Repertório a chance de iniciar suas carreiras: aos 19 anos, ela fez no dia 16 sua estréia no Municipal de São Paulo cantando a ópera em versão de concerto e, no Alfa, participa de sua primeira montagem de ópera. Quanto à orquestra, composta por aproximadamente cem jovens músicos, terá uma divisão em dois grupos, que se intercalam nas apresentações, para que todos possam participar, uma vez que a orquestra em ópera é bastante reduzida. Intenções originais - Outra medida crucial, segundo Maluf, foi importar da Alemanha a edição crítica da partitura, publicada por Fritz Oeser em 1964. Isso porque, para o maestro, ela é a que mais se aproxima das intenções originais de Bizet. "Quando ensaiava a ópera, o compositor percebeu que estava muito grande e fez alguns cortes. Depois da estréia - um fracasso -, fez mais alguns e, quando se rege a Carmen, o primeiro problema é que cortes manter. A edição de Oeser traz o original sem cortes de Bizet e um compêndio com os cortes autorizados por ele, o que permite uma maior fidelidade às suas intenções." Primordial para Maluf também foi a decisão quanto aos recitativos. O que ocorre é que Bizet compôs Carmen na forma da opera-comique, na qual são intercalados números cantados com diálogos falados. No entanto, para a primeira edição da partitura - a fim de que ela fosse apresentada em Viena -, Ernest Guiraud trocou os diálogos por recitativos, uma espécie de fala musicada, que, se por um lado não exige um esforço de atuação muito grande dos cantores (o canto, neste caso, pontua a fala, indica Jamil Maluf), por outro não são nada originais, o que os faz destoar do restante da ópera. Conservam-se, portanto, agora, os diálogos originais. Outro resgate feito da partitura original é o de dois melodramas - transição entre a fala e o canto - do primeiro ato. "Nesses momentos, o cantor fala e a orquestra toca, o que é uma característica típica de algumas obras de Beethoven, por exemplo e da ópera-comique como um todo", explica Maluf. Respondidas essas que, para Maluf, são as primeiras e mais complicadas perguntas que a partitura faz a um regente que se dispõe a reger Carmen, a principal preocupação é não esbarrar em fórmulas fáceis para atrair o público. "É comum tocar a música da ópera sempre muito forte, passando de trator por cima das gradações dinâmicas de Bizet", diz o maestro. E afirma que o segredo está na simplicidade e no respeito à partitura. "É impressionante a expressividade que Bizet consegue, utilizando recursos tão simples, no entanto, efetivos." Clichês - No que diz respeito à concepção cênica, a palavra de ordem foi a fuga de clichês, perpetuados ao longo de pouco mais de cem anos de execuções da peça. Para tanto, a concepção de Carla Camurati evita abusos como, por exemplo, o reforço do estereótipo da sensualidade de Carmen, que exerceria um poder muito mais do que sexual sobre as pessoas. Hamilton Vaz Pereira, que faz sua estréia em ópera, chama a atenção, também, para a dramaticidade da ação. "Quando fui convidado a participar da montagem, cenários e figurinos estavam prontos e coube a mim trabalhar diretamente com a cena, os cantores, inserir um pouco de teatro na montagem", conta. E confessa que, da ópera, não conhecia muita coisa além das árias mais famosas, como a Habanera. "Foi uma experiência muito agradável conhecer esta música por completo, que me surpreendeu bastante e me ajudou na descoberta do mundo de Carmen." E o que Pereira descobriu foi o forte senso de tragédia da história. "Carmen traduz muito bem a tragédia da vida, sintetiza Apolo e Dionísio, a dor, o prazer, a luz, as trevas." Para ele, o primeiro ato, em uma praça em frente a fábrica de tabaco de Sevilha, é repleto de luz, possui clima de festa pública. "Foi a leveza da música que me inspirou , esse ato é quase divertido, tira o público do chão. E o andamento que Jamil Maluf dá favorece bastante esta concepção." A partir do fim do ato e no seguinte, dá-se a transformação de D. José de um honesto soldado a um bandido motivado pela obsessão por uma mulher. "O clima, então, é de taberna, boêmio, há muita sedução, a vida errante está presente de diversas formas." O terceiro ato, nas montanhas em que Carmen e D. José se separam e ela pressente a própria morte, já prenuncia, para Pereira, algo de estranho, sinistro, trágico. "No entanto, há momentos em que a música é alegre e minha preocupação é mostrar o porquê, o que isso quer dizer." No ato final, uma antagonia. "Em um primeiro momento, aparece a alegria, a beleza, a multidão. Mas há um corte e a cena torna-se íntima, é a discussão entre apenas duas pessoas." E tudo, para ele, deve ser sugerido. "Não se trata de uma montagem tradicional ou contemporânea. Os elementos cênicos relacionam-se com a história e são sugeridos ao público que, de alguma forma, já possui algumas referências com relação à história. Por exemplo, não preciso mostrar que Carmen é uma cigana, mas, sim, ir além disso." Mais um modo, enfim, de tentar escapar dos clichês. Carmen. De Georges Bizet com libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, baseada em obra de Prosper Merimée. Direção e regência Jamil Maluf. Direção cênica Carla Camurati e Hamilton Vaz Pereira. Quarta e quinta, às 20h30; domingo, às 17 horas; dias 2, 3, 5 e 6/10, às 20h30. De R$ 40,00 a R$ 170,00. Teatro Alfa. Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. 5693-4000. Até 6/10.

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