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Ivan Lins: sucesso longe de casa

Ele é festejado por músicos e críticos estrangeiros e concorre neste mês a dois Grammys, mas continua no escanteio da mídia nacional

Por Agencia Estado
Atualização:

Ivan Lins completa 30 anos de carreira diante de um intrigante dilema. Cada vez mais reverenciado por músicos e críticos estrangeiros, nem o próprio compositor tem respostas para os que lhe chegam com a inevitável pergunta: afinal, o que o mundo vê em um artista tão ignorado em seu próprio país? No próximo dia 21, seu nome será citado algumas vezes durante a entrega do Grammy, prêmio de maior peso na indústria fonográfica dos Estados Unidos. Sting pode ganhar na categoria melhor interpretação pop pela gravação que fez da canção Soberana Rosa (She Walks this Earth), de Lins. Já o saxofonista Grover Washington Jr., morto em 99, tem tudo para receber uma homenagem póstuma graças à versão que fez para Camaleão, outro tema de Lins, que concorre na categoria melhor performance instrumental. As duas músicas estão em A Love Affair, álbum que só reafirma o respeito adquirido pelo músico nos últimos anos junto à nata do jazz e do pop internacional. Produzido por Jason Miles, o disco faz um tributo a Ivan Lins com versões de obras suas realizadas por intérpretes pesos-pesados como Chaka Khan (Cru Cre Corroro), Peter White (Leva e Traz) , Freddy Cole (Anjo de Mim) e Dianne Reeves (Doce Presença). Nesta entrevista à Agência Estado, Lins tenta entender os motivos que levam seu nome a permanecer no escanteio da mídia nacional. Além de comentar sobre assuntos tabus, como o jabá (quantias pagas para que uma música seja executada nas rádios), ele revela suas intenções em gravar um disco com Sting e outro para celebrar suas três décadas de estrada. O que explica esta recente febre de Ivan Lins no mercado internacional? Ivan Lins - Tenho a impressão de que eles realmente gostam muito de mim (risos). Engraçado é que não me vejo melhor que alguns nomes que não conseguem ter esta aceitação lá fora. Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano Veloso e João Bosco deveriam ser prioridades. Eu deveria vir depois. E por que escolheram você? Talvez pela proximidade que tenho com o jazz, algo que poucos brasileiros têm. Morei nos Estados Unidos e acabei adquirindo uma base musical bem jazzística. No Brasil parece ocorrer o contrário. Você não tem o mesmo espaço que Gil, Milton ou Caetano. Eles tiveram tempo para construir suas carreiras. Surgiram nos anos 60, um momento em que estava ocorrendo uma revolução mundial. Artisticamente, a ditadura também contribuiu para que seus trabalhos fossem reconhecidos. Eu só fui aparecer nos anos 70, quando Chico já era Chico, Gil já era Gil e Caetano já era Caetano. Programas de rádio e de televisão não o chamam porque classificam seu trabalho como elitista. Você se considera um músico que canta para a elite? Não concordo com os que dizem que o público não aceita músicas mais trabalhadas. Um bom exemplo são as trilhas sonoras de novela, que conseguem estourar qualquer canção. O problema é a forma como você é colocado na mídia. E como você é colocado na mídia? Tentam me colocar mesmo como músico de elite. Mas não lamento por não aparecer em programas de tevê. O Domingão do Faustão, por exemplo, vive uma verdadeira paranóia pela audiência. No momento em que um cantor aparece para se apresentar, já tem alguém contanto os pontos de ibope. Se cair dois pontos durante a apresentação, um cara já entra em contato com a produção pedindo para tirar o músico do ar. Isso me faz gostar ainda menos de tevê. E quanto ao jabá (quantia paga por fora para que músicas sejam executadas em rádios e programas de tevê)? É mesmo um vício sem cura? Isso já foi bem pior. Reconheço que ainda existe esta prática. Mas as rádios estão mudando sua forma de pensar. Estão percebendo que não adianta tocar qualquer coisa para ganhar dinheiro porque podem perder em audiência. Já te ofereceram espaço na mídia em troca de dinheiro? Não. Quando eu era um dos sócios da gravadora Velas, lembro que visitei uma rádio que estava em primeiro lugar em São Paulo. Sem mais nem menos, o dono da emissora virou e começou a desabafar: "Tenho duas rádios em São Paulo: a que toca MPB de qualidade é meu caixa 1. Atrai os anunciantes mais ricos. A outra, mais popular, é primeiro lugar de audiência, mas toca músicas que eu odeio. É por isso que eu cobro jabá. Tá vendo aquela BMW lá fora? Aquilo é fruto do jabá que cobro para tocar estas porcarias". Foi a cena mais bizarra que já presenciei. Como estão seus contatos com Sting depois que ele gravou uma de suas músicas? Na época em que ele estava no Brasil para se apresentar no Rock in Rio 3, fomos para um estúdio e tocamos algumas coisas. Penso sim em fazer um disco com ele. Há ainda um disco especial para comemorar meus 30 anos de carreira. Estou acertando isso neste momento com minha gravadora (Abril Music). Uma boa parcela de críticos brasileiros te considera um compositor chato. Como você responde a isso? Nunca me disseram isso. Mas, para falar a verdade, só há pouco tempo passei a gostar mesmo da minha voz. Não conseguia me acostumar com a idéia de ser cantor. Quanto às composições, já me peguei algumas vezes fazendo coisas chatas. Não sei, tudo é uma questão de gosto.

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