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Inédito do lendário bluesman John Lee Hooker

Jack O?Diamonds - 1949 Recordings é registro privilegiado do início de sua carreira e da passagem da sua feição acústica à forma elétrica do blues

Por Agencia Estado
Atualização:

Em mais de um sentido, não se trata de um lançamento. No entanto, sua importância, inversamente proporcional ao destaque na imprensa nacional, justifica que se trate deste Jack O?Diamonds - 1949 Recordings, de John Lee Hooker, produto da emergente ST2 Records. É um registro inédito e privilegiado não apenas do início da carreira fonográfica do lendário bluesman, como da passagem do próprio gênero de sua feição acústica, sulista, do Delta do Mississippi, à sua forma elétrica, nortista, de Chicago. Lançado nos EUA no ano passado, o CD é o segundo fruto do trabalho da John Lee Hooker Foundation, dedicada à memória do cantor, guitarrista e, hummm, ?sapateador?, nascido em Clarksdale, Mississippi, em 1917, e morto em Los Altos, Califórnia, em 2001. As gravações foram resgatadas longe dali, em Praga, República Checa, nos arquivos de Gene Deitch, autor de Cat, que para lá se mudara no início dos anos 60. São 20 faixas registradas na sala de jantar do cartunista, em Detroit, onde Hooker também vivia em 1949. Hooker não é membro do Rock and Roll Hall of Fame por acaso. Com sua voz rascante, seus acordes esparsos na guitarra e seu pé marcando o ritmo forte no chão, ele contribuiu, e muito, para o surgimento do gênero branco chupado do blues. Aprendeu o seu ofício com o padrasto, Will Moore, bluesman que, de quebra, recebia regularmente visitas de colegas famosos, como Blind Lemon Jefferson e Charlie Patton. Moore chamava o que tocava de country boogie (algo como balanço caipira), o que diz bastante sobre o som. Como tantos de seus pares, Muddy Waters e Howlin? Wolf, por exemplo, Hooker tomou o rumo norte na estrada e, no processo, foi eletrificando sua música de modo a se fazer ouvir por sobre o burburinho das casas noturnas e o rumor das ruas de centros urbanos cada vez maiores. O resultado da migração, cristalizado em clássicos como I?m in the Mood (1951), No More Doggin (1960) ou Boom Boom (1962), era rústico e hipnótico. As faixas acústicas de Jack O?Diamonds são anteriores às gravações mencionadas acima, não só cronológica, também estilisticamente. E são, até por conta das condições caseiras de registro, ainda mais rústicas e hipnóticas. Diante de Deitch e outros happy few, que riem durante a interpretação de 33 Blues, Hooker fala, toca violão, bate o pé e canta. Canta de uma forma mais suave, menos raspada na garganta, menos ?elétrica? do que faria posteriormente. Sua música, naquela cozinha de Detroit, cheira a capim recém-cortado. Não fazem parte do repertório do CD as faixas mais famosas que Hooker gravaria em 1949: Crawlin? King Snake, Weeping Willow Boogie e Hobo Blues, todas já plugadas. A pedidos dos presentes, ele repassa sobretudo velhas canções do Delta, tipo Catfish Blues ou Trouble in Mind; alguns spirituals, como Ezekiel Saw the Wheel e Moses Smote the Water; e nove de seus blues, entre eles o particularmente emocionante How Long Blues. Dois dos blues sequer têm nome. São intitulados Guitar Blues Instrumental e Untitled Slow Blues mesmo, como se se tratasse de uma gravação antropológica. As precárias condições técnicas na sala de jantar de Deitch - que dispunha apenas de um gravador DuKane - não se traduzem em ruídos neste tardio lançamento remasterizado, mas felizmente não perdem a espontaneidade da ocasião. A qualidade do material é tão excepcional que pode gerar uma pergunta: por que o material de Jack O?Diamonds não foi lançado em 1949? Porque Hooker estava tão atolado em contratos que não se vislumbrou uma brecha para os registros virem à luz. E olhe que ele sabidamente precisava de dinheiro, tendo até gravado como Birmingham Sam & His Magic Guitar, John Lee Booker ou John Lee Cooker para despistar seus contratantes e fazer algum extra. Hooker esteve no Brasil em agosto de 1989, apresentando-se no Free Jazz Festival. A noite que ele dividiu com o inglês John Mayall e seus Bluesbreakers (na ocasião, o guitarrista de plantão era Coco Montoya) e com o paulista André Christovam, no Hotel Nacional, no Rio, está inscrita na memória como uma das mais felizes de minha vida. Aos 72 anos, Hooker foi precedido por sua banda, a Coast to Coast, que encheu lingüiça por duas músicas. Entrou em cena, então, o Chefão do Blues. Carisma puro, chapéu, óculos escuros, cravo na lapela do terno. Sentado, batendo pé, ele tocou meia dúzia de seus clássicos, inclusive, lembro-me bem, You Know, I Know. Já estava divino o bastante. Hooker, porém, pôs-se de pé e botou para quebrar. No auge do transe coletivo, ainda chamou Mayall ao palco para tocar gaita. Ali, naquela noite, entendi de uma vez por todas que tanto o Tâmisa quanto o Tietê podem ser afluentes do Mississippi.

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