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Igor Prado e Raphael Wressnig percorrem os caminhos do soul e o do R&B

Guitarrista brasileiro e organista austríaco, com o baterista Yuri Prado, chamam atenção da crítica nos EUA ao lançarem o álbum ‘Groove & Good Times'

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

É por essa ardilosa simplicidade que o blues tornou-se um dos territórios mais difíceis para se transpassar a iconoclastia e se impor alguma personalidade artística. O peso da tradição viva e santificada, com Muddy Waters e John Lee Hooker presentes por todos os lados, costuma intimidar a criatividade, que não lida bem com as regras, e só garantir vida a quem reproduzir com destreza o que os ídolos fizeram. Assim, milhares de faixas são desovadas por mês nas plataformas, mas, por ausência de magia, poucas sobrevivem. Encontrar “o som” no blues, não o mais técnico, mas aquele que é só seu, é como desenterrar um cálice sagrado.

Igor e Raphael em ação Foto: Marcelo Pretto

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O tecladista austríaco Raphael Wressnig e o guitarrista brasileiro Igor Prado estão no processo de criação de um cuidadoso eu musical sólido e, ao mesmo tempo, reverencial. É a segunda vez que um álbum que fazem juntos chama a atenção dos críticos nos Estados Unidos. O ótimo Way Down South, de 2016, chegou a figurar entre os mais tocados nas rádios de blues no país de Robert Johnson – a primeira vez em que um álbum não norte-americano atinge tal feito. Agora, Groove & Good Times, gravado sem maiores pretensões e com uma nova proposta já na formação, ganha quatro estrelas da prestigiosa DownBeat, uma revista que só dá sua maior insígnia para gênios e projetos que envolvam de Thelonious Monk para cima, se é que isso existe.

Groove & Good Times não é uma aposta autoral, e talvez esse relaxamento despretensioso responda por parte do charme. Wressnig assume “o comando do carro”, como disse o organista Delvon Lamarr, líder de um dos Hammond Trios mais hipnóticos dos novos tempos, em recente entrevista ao Estado. São apenas Igor, Wressnig e o baterista Yuri Prado, irmão do guitarrista. O orgão Hammond decide os caminhos, empurra blocos de acordes com habilidade, cria as linhas de baixo e vai para os solos, dividindo-os com a guitarra de Igor. “Jamais me esqueço de quando vi Al Green cantar em Memphis, na abertura do Blues Music Awards, em 2016. Havia dois Hammonds no palco, foi inesquecível”, conta Igor.

As faixas do álbum, nove das dez instrumentais, refazem temas da música negra que nem sempre estão nos cartazes. De Bill Withers, eles trouxeram não Ain’t No Sunshine, como todos, mas o blues Kissing My Love. Dos Meters, nada de Cissy Strut, como meio mundo, mas a desafiadora No More Okey Doke. De James Brown, tiveram coragem para mexer em Blues & Pant (se a criatividade é inimiga das regras...) e, de Johnny ‘Guitar’ Watson, com as vozes de Jenni Rocha e Igor, fizeram o que todo grupo deveria fazer um dia, tocar You Bring Love. Crossfire, de Stevie Ray Vaughan, tem uma leveza que parece não se firmar talvez pela expectativa de se ver sempre jorrar alguma lava vulcânica quando se lê o nome desse tema em uma ficha técnica. E a única autoral é Shrimp Daddy, de Wressnig.

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