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Hough capta o rigor e a liberdade de Chopin

Pianista inglês exibe refinamento em interpretações pessoais que exploram todos os recursos do instrumento

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Por Redação
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Um sanduíche, com pão de centeio francês nas pontas e quatro kielbasa, as salsichas polonesas, no meio. Assim o pianista inglês Stephen Hough definiu, em dezenas de bem-humoradas entrevistas nos últimos meses, o recital com o qual está percorrendo o circuito internacional na temporada 2014/15. Musicalmente falando, Debussy nas pontas, Chopin no meio. Foi o prato saboroso e de paladar refinado que apresentou na tarde de anteontem, na Sala São Paulo.

Suas interpretações são muito pessoais. Seriam apenas bizarras, não fosse ele um formidável pianista. Daí o interesse sempre renovado em vê-lo em ação. Comecemos pelo recheio. Seu Chopin foi escolhido a dedo. Não é o mais conhecido do grande público, o dos noturnos, mazurcas e valsas. As quatro baladas têm maiores ambições. Parecem grandes movimentos de sonata, com dois temas principais - o primeiro lírico, o segundo vertiginoso e virtuosístico -, precedidos de introdução e coda final. Nos temas líricos, dá para sentir afinidades com Schubert; nos allegros, as pirotécnicas lembram seu amigo húngaro Franz Liszt. Mas, enquanto Liszt parece improvisar em suas rapsódias e paráfrases, Chopin só finge improvisar. O maior mérito de Hough, sobretudo na sua leitura soberba da primeira balada, foi ter ressaltado este jogo ilusionista de rigor e liberdade praticado por Chopin. Mas fiquei com a impressão de que Liszt devia tocar desse jeito as Baladas.

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Justiça seja feita, o pão de centeio estava ainda mais saboroso. Hough fez maravilhas com as sutilezas debussystas. Acentuou e alongou as pausas dramáticas; esticou as dinâmicas, ao contrário de Nelson Freire neste repertório. Mais do que isso: mostrou os fortes vínculos que os unem, bem além do que o fato de terem vivido na mesma cidade, a meio século de distância (Chopin viveu em Paris de 1831 até sua morte, em 1849, aos 31 anos; Debussy nasceu 13 anos depois, em 1862). Se o primeiro firmou revolucionariamente o primado do piano, o segundo foi seu legítimo continuado, no sentido de explorar todos os recursos do instrumento, dos timbres e cores, levando-o ao limite de reprimir sua condição de instrumento de percussão.

Neste sentido, sua leitura das Estampes foi exemplar. Mas, em Debussy, Hough mostrou também seu lado mais leve, com a valsa La Plus Que Lente e a sutilíssima suíte Children’s Corner. L’Isle Joyeuse coroou um recital que uniu um repertório matador a um pianista excepcional e personalíssimo. Escassos esbarros não seriam capazes de penalizar tamanha musicalidade.

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