Herzog chega para dar vida a "Tannhäuser"

Diretor alemão confirma que é apaixonado pelo Brasil e diz que a montagem da ópera de Wagner será diferente da que deveria ser encenada no País em 1996

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Por Agencia Estado
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Há cinco anos, Werner Herzog "quase" montou a ópera de Wagner Tannhäuser no Brasil. À última hora, a Prefeitura de São Paulo cancelou a produção. Era ano eleitoral e não havia verbas para a montagem da ópera que deveria integrar a programação do Teatro Municipal de São Paulo. Herzog está de volta ao Brasil, de novo para montar Tannhäuser. Desta vez, sai. A ópera estréia sexta-feira no Teatro Municipal, do Rio. Herzog, diretor de cinema, ópera e teatro, não conhecia a frase famosa do poeta e cineasta Jean Cocteau, quando dizia o que esperava do cinema - que o maravilhasse. Do cinema para a ópera, Herzog vai maravilhar o público brasileiro com a sua versão da saga do menestrel dividido entre o amor sensual e o amor espiritual? Ele ri e diz : "Wagner é quem vai maravilhar o público, não eu." Desde que virou diretor de ópera, em 1986, Herzog ligou seu nome a cerca de 20 encenações. Montou Verdi (Giovanna d´Arco), Carlos Gomes (O Guarani), Bellini (Norma), Mozart (A Flauta Mágica). Ligou seu nome principalmente a encenações de óperas de Wagner. Lohengrin, The Flying Dutchman e Tannhäuser. A primeira encenação de Tannhäuser foi em Sevilha, em 1997 - deveria ter sido no Brasil, um ano antes. O sucesso foi tão grande que a montagem foi comprada pela casas de óperas de Liège, Nápoles, Madri, Palermo e até pela Baltimore Opera Company, dos EUA. Será uma Tannhäuser cover, a mesma encenação que Herzog pretendia fazer no Brasil, em 1996? "Não, não é a mesma e não apenas porque eu mudei desde então", ele diz, no Hotel Méridien, com a bela praia de Copacabana ao fundo. Herzog está recebendo a reportagem do Estado para uma entrevista individual. "Mudaram o regente e o elenco e isso faz toda a diferença." O maestro (e diretor musical) é o suíço Karl Martin e o elenco interrnacional inclui os tenores Wolfgang Neumann e Heikki Siukola, que se revezam no papel-título, a soprano Cheryl Studer, considerada uma das grandes divas da atualidade, e cantores brasileiros, como Laura de Souza, Fernando Portari, José Hue e Pepes do Valle. Herzog chegou sábado ao Rio. À tarde, foi ao Teatro Municipal para ver, pela primeira vez, o ensaio do maestro com os cantores. Está entusiasmado. "Wagner é um gênio da música e um dos mais importantes inovadores da ópera; montá-lo é sempre um desafio, ainda mais num país como o Brasil, que não tem tradição de ver encenações das grandes óperas do autor." Herzog ama o Brasil. Vem aqui sempre que pode. Diz que o pretexto, agora, é a montagem de Tannhäuser. Elogia a criatividade e a imaginação como dons brasileiros. É o que une manifestações tão diversas quanto o canto lírico, o cinema e o futebol brasileiros. Herzog põe Garrincha num panteão particular. Lamenta não tê-lo conhecido, pessoalmente. Sente falta de Gláuber Rocha. "Gostaria que ele ainda estivesse por aí, provocativo e brilhante como era." Faz uma observação sobre os músicos brasileiros. "Aqui, a gente marca o compromisso para as 9 horas e chega todo mundo às 9h30, mas não faz mal; o músico brasileiro é muito imaginativo e isso compensa tudo." Justamente a imaginação. É o grande traço de união entre a atividade de Herzog como diretor de cinema e ópera. Fora isso, são muito diferentes. "A ópera, como qualquer representação teatral, tem de ser encenada para espectadores que têm a visão geral do palco e ficam a diferentes distâncias dele; no cinema, por meio de planos e lentes, consigo mudar o ângulo e aproximar o público da ação de uma maneira impensável no palco", diz. Coração - Houve um tempo em que ele era considerado o maior diretor de cinema do mundo. François Truffaut escreveu isso, com todas as letras, depois de ver Aguirre e O Engima de Kaspar Hauser, no começo dos anos 70. Ele diz que nunca levou muito a sério a frase elogiosa de Truffaut. "Entrou por um ouvido e saiu pelo outro". Deixa claro que esse tipo de afirmação pode ser lisonjeiro, mas se fosse ligar para o que disse Truffaut provavelmente teria ficado paralisado, incapaz de levar a carreira adiante. Do maior diretor do mundo, espera-se que faça os maiores filmes do mundo, nada mais nada menos. A carga seria muito grande, a pressão, imensa. E Herzog quer ser livre para ousar. Numa cena de Meu Inimigo Preferido, seu belo documentário sobre a parceria com o ator Klaus Kinski, Herzog revisita o set de Aguirre, no Peru. Deixa escapar uma frase: "Como fomos bons." Poderia ser a confissão de um fracasso ou o reconhecimento de que não anda muito bem no cinema. Mas ele diz que tem filmado muito - documentários, principalmente, sobre os quais a mídia não fala. "Mas tudo bem, posso passar sem as páginas dos jornais", diz. Acaba de ver, há dois dias, a primeira cópia do novo filme, The Invencible, com Tim Roth. Deixa subentendido que será sua resposta aos que o consideram decadente no cinema. "É um filme muito maduro, você vai ver", promete. Foi sondado para dirigir o filme produzido por Cláudio Kahns sobre o descobrimento do Brasil. As conversações não foram adiante e ele acha que talvez seja bom. "Cabral, ao contrário de Cristóvão Colombo, não é um grande personagem e a descoberta do Brasil também não é uma boa história." Aproveita para criticar Hollywood: "Eles têm astros e efeitos especiais, mas não sabem mais contar histórias." Cita uma frase do lendário Jack Warner: "Cinema é história, história, história." Comenta uma crítica que recebeu quando encenou A Floresta Amazônica em Sonho de uma Noite de Verão, com a produção milionária de Lucélia Santos. Acusaram-no de ter colocado seu nome, mas não o coração naquela montagem. Teria ensaiado pouco com os atores, relegando a outros a preparação do espetáculo. Diz que houve fases daquela produção em que não precisava estar presente. Mas, sim, colocou seu coração, era o autor da montagem. "Não sou do tipo que só empresto meu nome", diz. "Sou do tipo apaixonado que põe o coração em tudo o que faz. Promete colocar todo o seu coração em Tannhäuser.

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