Helena Meirelles prepara quarto disco

Violeira de 79 anos, recém-saída de um período de tristeza em família, faz apresentação vitoriosa no Rio e começa a compor material novo

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Por Agencia Estado
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Os shows que a violeira Helena Meirelles fez na semana passada, no Rio, agradaram ao público e lhe fizeram muito bem. Ela era a principal atração do 1.º Festival Latino-Americano de Música Instrumental e lotou o Sesc Tijuca, na noite quinta-feira, e os jardins do Palácio do Catete, na manhã de sábado. Helena não passava pelo Rio havia cinco anos e estava parada por alguns meses, por problemas pessoais. Este ano ela atravessou períodos difíceis, especialmente depois da morte do filho caçula, de 36 anos. "Cada vez que eu toco, tenho vontade de chorar porque me lembro dele. Ele sempre ia a todos os meus shows e, em casa, me pedia para ouvir minha música", conta ela, com um fio de voz. "Mas eu vivo disso. É o que sei fazer, porque não tenho mais força para pegar na enxada, o trabalho que tive durante toda a minha vida." A viola acompanha Helena há 70 anos, ou seja, desde quando ela tinha 9 anos de idade e ouviu um tio tocando. Adorou o instrumento. "Só que, naquela época, no interior de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, mulher não tocava viola, só piano, e meus pais fizeram de tudo para eu deixar de lado a idéia de aprender. Mas eu fui teimosa e dizia que eles podiam cortar meus dedos, me deixar de castigo, quebrar minha viola, que eu ia dar um jeito de fazer minha música", lembra Helena. Estudo sistemático ou acadêmico ela nunca teve, mas sempre agradou por onde tocava. "Acho que o que aprendi veio de Deus, porque saía tocando e dava certo. Só que eu nunca pensei em viver disso, era uma diversão e para me sustentar fiz muita coisa nessa vida." Primeiro, ela trabalhou na roça e casou-se aos 16 anos porque queria sair do jugo dos pais. Teve dois filhos, mas separou-se pouco depois e foi morar com a mãe, no interior de São Paulo. Queria ser livre, especialmente para tocar. "Mas logo me apaixonei por um homem de Bauru, fui viver com ele, tive mais filhos, mas ele começou a namorar outra moça e eu fui embora. Entreguei a casa e os filhos para minha mãe e fui bater em uma casa de mulheres, pedindo trabalho. Consegui logo porque era nova e muito bonitinha", diz Helena. Ela conta que tocava viola, mas também recebia homens e diz ter aprendido muito na vida. "Só que não sabia nada de dinheiro, de malícia ou de qualquer outra coisa, além de enxada e tocar viola. Perguntei à dona da casa como faria para ganhar dinheiro e ela me disse que eu ficasse com os homens e ela veria o resto. Foi a partir daí que conheci o dinheiro e as coisas da vida. Depois, tive minha própria casa." Trabalhando no que desse, mas sempre fazendo sua música, Helena Meirelles foi criando um estilo próprio, que ela garante não ser cópia de nada. "Vem de dentro de mim e não dá para ser imitado. Eu sempre quis ficar famosa, mas sendo eu mesma, sem precisar tocar o que os outros criaram", explica. E assim foi vivendo entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, até que no início dos anos 90 tudo aconteceu. Ela já tinha quase 70 anos e a fama veio por vias transversas. "Um sobrinho meu, que havia estudado nos Estados Unidos, me viu tocar e comentou que eu era muito boa. Nunca havia me passado pela cabeça gravar disco, mas ele fez um e mandou para lá, nem chegou a ser lançado no Brasil", lembra Helena. De repente, em 1992, ela foi escolhida Dama da Viola pela revista Guitar Player. "Aí o Brasil me abraçou. Quem nunca havia prestado atenção no que eu tocava passou a me ouvir. É sempre assim, primeiro a gente tem de ser reconhecida lá fora para ter valor aqui dentro." O reconhecimento da platéia, no entanto, veio já nos primeiros shows em cidades grandes e não parou até hoje. "Quando cheguei aqui no Rio pela primeira vez, há dez anos, fiquei com medo. Comecei o show dizendo ao público que eu não era do samba e queria saber se eles me aceitavam mesmo assim. Me aplaudiram muito - antes, durante e depois do show. Então, era um tal de todo mundo querer falar comigo, chegar perto e me tocar no camarim que foi preciso até chamar a segurança, pois senão eu morria sufocada", recorda-se. Naquela época, como agora, ela se faz acompanhar por um violão base, tocado por seu filho Francisco e pelo baixo de Ailton Torres, seu primo. "É muito bom estar acompanhada pela família, porque, se tiver de brigar, fica tudo em casa. Mas geralmente a gente se dá bem e eu sou comadre duas vezes do meu primo." Além dos shows esparsos, que vão diminuindo cada vez mais devido à sua saúde fragilizada, Helena Meirelles prepara, devagar, um novo disco, o quarto de sua carreira. Os três primeiros foram lançados pelo selo Eldorado e, se não alcançaram as paradas de sucesso, tiveram vendagem expressiva. "Ainda estou compondo, mas não pude apresentar nada aqui no Rio porque as músicas ainda não estão registradas", justifica. "Também não dá para tocar música alheia ou ensinar a minha para outras pessoas. Minha música vem de dentro de mim, não sei bem de onde, mas não sei escrevê-la. Por isso, só eu posso tocá-la." Helena só lamenta não poder mais passar noites seguidas animando festas, shows ou mesmo casas de mulheres com sua viola. A saúde é frágil e foi proibida pelo médico de cantar para não forçar o coração. "Mesmo assim, de vez em quando eu tento e o público adora. Eu digo que vou cantar baixinho e eles pedem para aumentar a voz e aí eu fico sem fôlego", lembra ela. "Mas nem assim penso em parar de fazer minha música."

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