Funk desce o morro e embrulha classe média

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Por Agencia Estado
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Pela ótica da sociologia, o fenômeno é de vasto interesse e já gerou alguns livros assinados por Hermano Vianna. Música desenvolvida pelos negros despossuídos dos morros cariocas desce a ladeira e toma de assalto a juventude bem-criada da zona sul. E agora, como gritam os SD Boys, domina a playboyzada paulistana com fôlego suficiente para render outros Estados da federação. A epidemia é geral. A coreografia, digamos assim, lasciva dos freqüentadores dos bailes é outro atrativo para análise. Uma conjunção apimentada de trajes sumários e jovens mexendo o popozão. No entanto, a onda musical do momento, como tantas outras sustentadas pela indústria, traz consigo o estigma do erro. A começar pela terminologia. O funk carioca que se celebra atualmente nada tem a ver com o verdadeiro funk, criado nos Estados Unidos no fim dos anos 60. Espécie de derivação ainda mais suingada da soul music, o ritmo tem como grandes mestres artistas como James Brown, George Clinton, The Meters e Sly Stone. Vale dizer que os grupos funks, com a linha de baixo determinante, remetiam às orquestras de jazz, aliando técnica, improvisação e bom gosto. Eram, usando uma gíria interna da gravadora Stax, músicos da wild line. Por aqui, a confusão de nomes remonta ao início das atividades da equipe de som Furacão 2000 que tocava funk de verdade no bailes, isso durante os anos 70. Em verdade, a base para versos que já fizeram apologia do tráfico de drogas e hoje atestam as potencialidades das cachorras, é o miami bass. A batida surgiu na metade dos anos 80 como uma versão ensolarada do rap que se fazia em Nova York. Um dos grupos mais ilustrativos do miami bass é o 2 Live Crew, responsáveis por Is What We Are (1986) e As Nasty as They Wanna Be (1989) verdadeiros inventários do gênero. Na contramão do funk original, a percussão metálica seqüenciada dá o tom do fenômeno. E é exatamente aí que reside a sua falta de variação. Ainda que se possa ouvir teclados e reproduções de naipes de metal em trabalhos como os do gutural Mr. Catra ou referências à Gretchen e ao twist dos anos 50 de Vanessinha Pikachu e Sandy, a sonoridade dos grupos soa uniforme no mau sentido. O ouvinte menos familiarizado com as gírias e a geografia do Rio corre o risco de não identificar os personagens da história. Mais apropriado seria denominar o ritmo da ocupação como pancadão, maneira que os funkeiros de primeira hora chamam a batida, mas já se faz tarde, a confusão está armada. Contudo, é a classe média, sempre ávida por novidades, que cai no embrulho, pois a garotada do morro conhece bem as diferenças entre funk, miami bass e outros bichos. Vai tigrão!

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