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França: vanguarda do som eletrônico

Trata-se do festival Trans Musicales, mostra que reúne há inacreditáveis 24 anos as novas tendências da música jovem internacional

Por Agencia Estado
Atualização:

Na França, DJ arrasta sua case pela Gare Montparnasse para pegar o trem para Rennes. DJ que, no Brasil, ganha hotel cinco estrelas e festa na casa de colunista social, aqui tem tratamento de trabalhador braçal. Mas nem por isso deixa de ir a Rennes, onde o ´novo e o obscuro´ da nova música internacional apresentam-se nos palcos da cidade, segundo assinalou o jornal Libération. Trata-se do festival Trans Musicales, mostra que reúne há inacreditáveis 24 anos as novas tendências da música jovem internacional. O Trans, como o chamam na França, começou na quinta-feira nessa cidade no coração da Bretanha, num espaço semelhante ao ocupado pelo finado Free Jazz brasileiro, e terminou no sábado. Na primeira noite, em meio a dezenas de atrações musicais, DJs e químicos da eletrônica, destacaram-se os grupos de garage rock, um antigo sistema de medição de forças entre o peso e a atitude no rock. Foram três dias de uma maratona musical nos quais prevaleceu o peso e a velha sinceridade. No primeiro dia, quinta-feira, perfilaram forças no palco principal do evento, o Libertè Bas, o grupo belga Millionaire - versão educada e igualmente barulhenta do The Vines australiano - e os veteranos do Stooges Project, uma banda all stars do punk rock, cujo repertório baseia-se no da antiga e pioneira banda do gênero, The Stooges, do veterano Iggy Pop. Sem Iggy Pop, mas com dois dos seus ex-escudeiros, os irmãos Ron e Scott Asheton (guitarrista e baterista daquele lendário combo) e ainda Jim Mascis (ex-Dinosaur Jr) e Mike Watt (ex Minutemen), a banda-tributo mostrou como ainda é possível balançar as estruturas da grande farsa do rock´n´roll sem se vender por meia dúzia de euros. Os coroas ensinaram o bê-á-bá do som punk aos garotos que compram amplificadores caros para conseguir aquele som cru que era produzido nos anos 60. Mas a grande novidade mesmo apareceria na sexta, no mesmo palco, com a presença elétrica e ao mesmo tempo desesperada da cantora Katie Jane Garside (ex-Daisy Chainsaw) e sua banda Queen Adreena, da Inglaterra. Senhores, se existe uma versão feminina de Kurt Cobain, eis sua encarnação. Com uma voz de Patti Smith adolescente, ela se esgoela em cena, às vezes empoleirada em cima de uma cadeira, abraçada com uma garrafa de champanhe, às vezes puxando o guitarrista Crispin Day pelo pescoço, jogando-o ao chão e se engalfinhado com o sujeito (ele mesmo uma versão anos 80 do guitarrista Blixa Bargeld). Com rosa fake adornando os cabelos louros cheios de nós, ela falou com a imprensa uma hora antes do show, e seu aspecto não era muito melhor. Por que uma mulher tão maravilhosa quanto você parece tão depressiva?, perguntou um jornalista. "Diga-me quão maravilhosa eu sou", retrucou Katie Jane, com a voz empastelada. "Eu estava numa pior há alguns anos, vivia num hotel vagabundo e então esse gentil cavalheiro aqui entrou (agarrou de novo o guitarrista Crispin Day) na minha vida e agora eu estou aqui", afirmou ela, que quase pirou depois de levar um fora de um na morado e passou seis anos desaparecida. Rennes apresentou sucessão de bandas surpreendentes, como o vigoroso indie rock do grupo americano The Faint, os heróis locais do Hang Left Devil (que toca blues), o nova-iorquino Radio4. O festival de Rennes é uma amostra de como os poderes públicos franceses vêem o potencial econômico da cultura, mesmo a música jovem: dos 1,7 milhões de euros gastos na mostra, 60% são pagos pelo município (maior investidor, com 30% desse valor), região e Estado. Os outros 40 são "receita própria" (bilheteria, bebidas e lanches e patrocinadores). (*) O repórter viajou a convite do Bureau Brésil - Musique Française.

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