Fora do Rio, o funk perde suas características

Em São Paulo, a imagem sensual dos bailes funk, vendida pela mídia e pela indústria do disco, não passa de cópia do bailão de verdade, que abalou os 90

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Por Agencia Estado
Atualização:

Em São Paulo, a embalagem sensual do funk, em certos momentos quase pornográfica, é forjada. O bailão de verdade que abalou os anos 90, servindo de arena para boa parte da juventude suburbana carioca, que hoje mostra-se item obrigatório no lazer da classe média, é uma falseta: um funk coreografado. A emoção do baile funk coreografado que "domina" São Paulo, resume-se ao popozão - o que não é pouca coisa para quem gosta. Nestas praças a dança se limita ao voyeurismo e, ao menos, no seu local de origem, no Rio, há interação dos rapazes e das popuzudas. Elas requebram o corpo inteiro e eles fazem "movimentos pélvicos", sem culpa ou julgamento moral. Mas o que mais se perde com a fabricação do baile funk como fenômeno da moda do verão, sustentado pelo mercado fonográfico e a mídia, é a autenticidade dos hits, que estão mais para vinhetas do que para músicas. As músicas nascem espontaneamente nos bailes. Na batida frenética do miami bass, uma vertente da música eletrônica que até hoje norteia o som do funk carioca, os funkeiros chamam suas galeras para a dança e para marcar presença dentro do local. Esse chamado recebe o nome de bonde, por isso Bonde do Tigrão, O Bonde de Vinho, O Bonde das Pepitudas, etc. Os chamados de galera, os bondes, enfim, ocorrem de forma natural num baile do morro. No início dos anos 90, festivais de galeras - uma espécie de concurso dentro dos bailes das comunidades periféricas do Rio - eram fonte inesgotável para os funkeiros. "No baile da periferia, o microfone passa pela mão da galera que dá o seu grito. Nessas horas, muita coisa criativa é dita e, quem está atento a isso, pode criar ótimos funks", afirma Wellington Sobreira, conhecido como Formiga e integrante do grupo SD Boyz (autor do hit Planeta Dominado, que traz o verso "tá dominado, tá tudo dominado"). "Hoje, o funk tem muita coreografia. A maioria dos passos que as pessoas dançam quando as nossas músicas tocam foi feita no programa da Xuxa. A galera da TV misturou muito bem o funk e os gestos da dança do axé." Se, aqui (e agora) o mote do baile funk é a coreografia, é muito provável que nada se invente mais nessa cultura. Passar o microfone num ato coletivo e espontâneo de criação, nem pensar - hoje, nem no Rio nem em São Paulo.

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