PUBLICIDADE

Flora Purim está de volta ao sucesso nos EUA

Por Agencia Estado
Atualização:

Flora Purim, que esteve no olho do furacão da jazz fusion nos anos 60 e 70 e cantou na sala da casa de Thelonious Monk, com o próprio ao piano, está de volta às paradas de sucessos nos Estados Unidos com um novo disco, Perpetual Emotion (Virgin). Cantando de Carinhoso, de Pixinguinha, a Crystal Silence, de Chick Corea, ela já está com a agenda cheia e chegando ao topo da Billboard. Ainda assim, diz, o que quer mesmo é cantar no Brasil. "Como é esse Bourbon Street?", pergunta. "A Diane Reeves me disse que é um lugar bem bacana, porque não me convidam para cantar?" Com um time de músicos que inclui o percussionista Airto Moreira (seu parceiro e marido há 38 anos), o violonista Oscar Castro Neves e os americanos Gary Meek (sax), Christian Jacob (piano) e Trey Henry (baixo), Flora está na estrada. De fevereiro, quando começou sua turnê, até 6 de agosto, quando termina, vai percorrer cidades como Washington, Baltimore, Boston, Laguna Beach, São Francisco, Los Angeles e uma dezena de outras. No intervalo entre uma e outra apresentação, ela falou à reportagem. Agência Estado - Você diz, no encarte do disco, que a composição "Crystal Silence", de Chick Corea, despertou em você a vontade de cantar, há 30 anos. Isso é verdade? Flora Purim - Eu integrei, com Chick Corea, o grupo Return to Forever, um dos cinco grupos que causaram grande mudança no jazz nos anos 60, promovendo a fusion. Os outros grupos eram Weather Report, a banda de Miles Davis, a Mahavishnu Orchestra e a banda de Tony Williams. Eles foram tão bem-sucedidos em promover a fusion que arruinaram o jazz para sempre (risos). Você acredita de verdade que a fusion acabou com o jazz? Acredito. Aqui, quando entra uma rapaziada nova para tocar jazz, eles acham que o jazz começou ali, é quase sempre a referência deles. Há, logicamente, um grande esforço dos young lions (jovens instrumentistas de jazz da geração de Wynton Marsalis e Christian McBride) em mostrar o som eclético do jazz dos anos 40 e 50. Essa geração está elevando o jazz para outro nível. Você vê o Joshua Redman, por exemplo. Eu estava lá quando ele começou e o fato de ser jovem e tocar no estilo do pai abriu os caminhos, fez dele um herói em São Francisco. Ele é para São Francisco o que os Marsalis representam para New Orleans. Mas, no meu disco, o que eu procurei foi ser o mais fiel possível às tradições do jazz, com bateria acústica, violão acústico, piano. E a canção "Crystal Silence"? Essa canção era apenas instrumental quando foi composta por Chick Corea. Quando a ouvi, foi como se tivesse acordado para o jazz. Recentemente, o pianista da minha banda, Christian Jacob, veio com a letra para mim e me propôs: "Flora, já que a gente tem muito tempo agora, que tal tentarmos um arranjo?" O Airto ouviu a gente tentando lá de dentro e improvisou uma batida na percussão. Nós três gravamos a música quando a turma já estava indo embora para casa. O filho do Thelonious Monk, o baterista T.S. Monk, disse aqui que você foi a responsável por despertar o interesse dele pela música brasileira, em sessões na casa de Thelonious quando ele ainda era uma criança. Isso é verdade? Ele falou isso aí? É verdade, o Thelonious me ajudou muito. Eu me lembro que ele se amarrava numa música do Eumir Deodato, Razão de Viver, e que me pedia para cantar na casa dele. O garoto ficava ouvindo. Mas tornou-se um grande baterista. Ele tem um tremendo grupo, com duas cantoras fenomenais: a Nnena Freelom e a Diane Reeves. Eu e o Airto chegamos aqui em 1967 e temos um amigo, Mal Waldron, que foi da banda de Cannonball Aderley, que costumava dizer que foi por nossa causa que inventaram o green card (risos). Você também gravou "Fotografia" nesse disco novo. Por que gravou uma música tão conhecida? Eu vi Fotografia nascer. Eu era garota e cantávamos nos estúdios da TV Rio, ali no Posto 6. Nem sei se existe mais essa emissora. Entre as gravações, a gente ia para um bar ali na região, eu, o Vinícius de Morais, o Ciro Martins, o Fernando Lobo. Eu me lembro da história. A descrição de Fotografia era uma visão a partir daquele bar. "Eu, você, nós dois, a lua aparecendo." Um encontro clandestino de amor. "Você tem de ir embora, a tarde cai." Eu vivi muito isso, é algo muito próximo da nossa cultura no Brasil. Ao mesmo tempo, a minha companhia de discos, Narada, queria um disco de world music. Eu disse a eles: gente, eu sinto necessidade de parar com essa eletrônica para ver se ainda posso cantar. Eles me disseram: então grave e mande que nós vamos decidir. Gravei e eles adoraram, mas exigiram pelo menos três músicas do Brasil. Aconteceu que, em julho de 2000, fui cantar com Sadao Watanabe no Japão. Já tínhamos subido quatro vezes para o bis e tudo, tudo, tudo que a gente sabia tocar já tinha tocado. Então, o Sadao disse que ia cantar uma coisa a capela e que, acaso alguém soubesse a letra, cantasse com ele. E cantou Carinhoso. Meus olhos se encheram de lágrimas. De repente, um músico japonês conhecia Carinhoso e arriscava-se a cantá-la para uma multidão. Devo uma para o Watanabe. Naquele momento, senti um orgulho revigorado de ser brasileira. Quando voltei a Los Angeles, fui rebuscar no meu baú e achei uma canção do Sílvio César, Saudade. Eu só a tinha ouvido com Lennie Dale, o bailarino americano que descobriu o Brasil. Lennie foi quem abriu os olhos de muitos de nós para a riqueza desse País. E essa canção, "Flora & Airto"? É uma declaração de amor. Em todos os discos que o Airto fez, ele dedica uma música para mim. Eu pensei em fazer pelo menos uma para ele, que é para que saiba o que sinto.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.