Fito Paez mantém viva a arte de contestação

Com apenas um show marcado em São Paulo, dia 6 no DirecTV Music Hall, o argentino Fito Paez não economiza críticas à hegemonia americana e à situação de seu país

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Por Agencia Estado
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Se fosse um rapper, Fito Paez faria os Racionais MC´s soarem como um conjunto de animar festinha de formatura. Músico de maior expressão internacional que a Argentina produziu nos últimos dez anos, é dele uma das vozes mais contestadoras sobre a situação de seu país. Outra imagem que sustenta há uma década é a do invejável criador de canções que faz brasileiros como Caetano Veloso, Milton Nascimento e Herbert Vianna gravarem suas músicas e chamá-lo para participar de seus shows. Sem um novo álbum para divulgar desde que lançou Rey Sol, há um ano e meio, Fito inventou um show, de nome Fito Paez Ao Vivo, e saiu pelo mundo à revelia de sua gravadora, a Warner Music. Em São Paulo, chega dia 6 de junho para uma única apresentação, no Directv Music Hall. Segue ainda para Porto Alegre, dia 7, Santa Maria (RS), dia 9, Rio de Janeiro, dia 11, e Brasília, dia 12. As atenções se dirigem a ele neste momento não só pelo fato de ser um recente vencedor de Grammys ou por fazer música pop com lirismo incomum. Rodolfo ´Fito Paez´, 39 anos, casado com a atriz Cecilia Roth, pai de Martin, seu filho adotivo de 3 anos, fala nesta entrevista sobre o abismo no qual despencou seu país. Na música La Casa Desaparecida, do disco Abre, de 1999, Fito diz que a Argentina continua sendo a nação que não passa de uma "casa desaparecida". Nesta entrevista que concedeu por telefone à reportagem, de um hotel em Buenos Aires, Fito confirma a fama de perturbador e diz sem compaixão que o mesmo povo argentino que agora chora tem culpa no cartório. Afinal, diz ele, colocou Carlos Menem duas vezes na presidência. Fito ainda ataca Ricky Martin, "um latino que queria ser americano" e que jamais deve ser considerado um exemplo para a cultura caribenha, e os Estados Unidos, "uma nação de maioria ignorante que representa a idéia da força do dinheiro contra a força do espírito". Agência Estado - O que explica o fato de você ainda não ser um artista conhecido pelo grande público brasileiro? Fito Paez - Uma parte do mundo só funciona com a ajuda da mídia. Mas outra parte não precisa disso. Estou fazendo uma turnê sem álbum novo, sem promoção, sem companhia de discos por trás. Não sinto que precise de mídia, estou muito bem nesta situação. E sei que no Brasil há muitas pessoas interessadas em me escutar. Quando lançado, Rey Sol foi visto por alguns críticos como um disco feito por um Fito Paez menos cético, menos pessimista que o dos outros trabalhos. É verdade? Não acredito. Quem prestar atenção nas letras vai ver que é um disco com momentos muito irados também. Você manteve suas críticas sociais pesadas em um momento em que a contestação quase não fazia mais parte da indústria da música pop ou mesmo dos grupos que fazem rock-and-roll. Se ouço Elvis Costello, Charly Garcia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, ainda ouço estes temas sendo evocados. Mas não é mesmo um tipo de música que se encontra nas rádios. A música pop das rádios nos anos 60 eram os Beatles, agora é Ricky Martin. O mundo realmente mudou. Mas Rick Martin foi vendido como um porta-voz da cultura latina... Não, não, não. Porta-voz da cultura latina não, porta-voz do latino que queria ser norte-americano. Esta é a verdade. Imagina o que Violeta Parra estaria pensando se soubesse que Ricky Martin a representa. Imagina Atahualpa Yupanqui, Astor Piazzolla, Dorival Caymmi pensando que a música latina tem Ricky Martin como representante... A situação da Argentina deve estar te inspirando bastante... É uma situação muito complexa, muito grave. As pessoas estão muito desesperadas, tristes. Mas também devo lembrar que foram essas as mesmas pessoas que votaram por duas vezes em Carlos Menem para presidente. Falo sobre isso em uma carta que publiquei esta semana em meu site (www.mundopaez.com) e já falava em um música chamada La Casa Desaparecida, que está em meu disco Abre, de 1999. Foi uma música muito criticada na época. As pessoas falavam que eu não deveria falar da Argentina daquela maneira. E veja agora o que aconteceu. Você vê alguma saída para essa crise? Para ser bem sincero, se eu penso na história vejo um horizonte muito ruim. Mas se eu penso em meu filho, de 3 anos, tenho de acreditar que existe um raio de luz para não ficar maluco. E tudo isso é material para um disco novo? Ainda não tenho um novo disco definido na cabeça. Mas estou com muita vontade de gravar o mais rápido, porque há muito para ser dito desta situação em meu país. A produção artística dos argentinos foi contaminada por algum desânimo? O mundo está muito contaminado é pela idéia do êxito. As pessoas fazem arte por uma necessidade muito pessoal, não por uma causa maior. E a cada dia há menos artistas românticos, puros, no sentido mais profundo da palavra artista. Isso é muito preocupante. No Brasil temos aqui um reality show chamado Casa dos Artistas. Mas as pessoas que participam não estão exatamente nestas suas classificações... Ah, é claro que não. Quem é João Gilberto não é mesmo? É a banalização dos 15 minutos de fama. Eu fui chamado muitas vezes para participar de um tipo de Casa dos Artistas aqui na Argentina. E sempre dei a mesma resposta: ´Vocês estão malucos?´ Você já foi aos Estados Unidos depois dos atentados? Sim. E encontrei um país muito ressentido e, principalmente, muito ignorante. Ignorante em relação aos conflitos no Oriente Médio. Eles negam qualquer realidade que não seja a deles. Para os americanos, tudo é terrorismo. Não é um pensamento só da classe política, mas de toda a população. E isso é terrível. Claro que há intelectuais e políticos inteligentes opinando contra estas idéias, mas o que eu vi por lá foi um estado de ditadura. Algo muito grave. E você sentiu de alguma forma esse preconceito? Quando cheguei lá, fiquei detido no aeroporto de Los Angeles por oito horas seguidas. Foi horrível. Mas me aterrorizei muito mais ao ver como o povo americano resume tudo ao terrorismo em vez de pensar nas políticas exteriores dos governos americanos dos últimos 40, 50, 60 anos. As políticas que mataram milhões de pessoas em vários países e se intrometeram na economia do mundo inteiro, provocando perdas. Isso é muito grave porque os Estados Unidos são o maior império do mundo neste momento. Os Estados Unidos deixaram de apoiar a Argentina no momento em que a crise econômica começou. Há muito ressentimento na população quanto a isso? Os Estados Unidos nunca se aliaram aos argentinos. E a Argentina, por questões políticas e estratégicas, tinha de ter a imagem de estar aliada aos Estados Unidos. Mas, sinceramente, nunca vi uma relação entre ambos. Muitas pessoas não gostam dos Estados Unidos por aqui. Na verdade, penso que os EUA são um país muito estranho, funcionam como o grande paradigma da condição humana. A idéia da força do dinheiro contra a força do espírito. Isto é o que eles representam no mundo.

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