FHC mantém polêmica sobre numeração

Decreto presidencial cria grupo de trabalho para rediscutir a idéia, mas ninguém sabe como escolher os representantes da área musical

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Por Agencia Estado
Atualização:

O decreto de Fernando Henrique Cardoso, que criou na quarta-feira um grupo de trabalho para "analisar e propor alternativas para a numeração e identificação de fonogramas e obras literárias, artísticas ou científicas", mais do que clarear a situação, ajudou a turvar um pouco mais o cenário de divisão que vive o meio musical brasileiro. O decreto determina que o grupo de trabalho terá dois representantes da classe artística, com seus respectivos suplentes. O problema é o seguinte: que artistas teriam tamanha representatividade? João Pimentel, chefe-adjunto de Ação Governamental da Casa Civil da Presidência, informou nesta quinta-feira que o prazo para a indicação dos representantes no grupo de trabalho será de uma semana. A partir daí, o grupo terá 30 dias para concluir seu estudo. A cantora Beth Carvalho disse que a decisão sobre quem serão esses representantes não lhe compete, mas começou hoje a encampar uma enquete para que os músicos possam dizer quem serão seus representantes. "Nós não temos uma entidade representativa da classe, essa é que é a grande verdade." A cantora está sugerindo que a Amar (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes) tenha uma das representações na comissão interdisciplinar. Ela e Lobão conseguiram 400 adesões para o processo que iniciaram pela numeração de CDs e livros, e que inspirou o projeto da deputada Tânia Soares (PC do B-SE) - vetado ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas Beth disse que o processo deve ser, principalmente, democrático. "Pessoalmente, eu não tenho nenhuma pretensão, mas estamos muito envolvidos, eu e o Lobão, e se eles acharem que nós podemos representá-los, seria ótimo", disse. "O que nós queremos é que seja aprovado." A liderança de Lobão, no entanto, é muito questionada. Lulu Santos, que ficou contra o projeto, chegou a dizer que Lobão não representa a classe porque está alijado do processo - ele lança seus discos de forma independente, em bancas de jornal. Quinta-feira, Lulu foi sarcástico quando indagado se acharia boa a representação de Lobão e Beth Carvalho. "Acho perfeito, na medida em que eles levantaram a lebre e, aparentemente, têm disponibilidade e mesmo vontade", disse. E brincou: "Lobão para presidente." Lobão diz que teve vários discos lançados por gravadoras e essa relação se mantém, por conta dos trabalhos de catálogo, assim como se mantém sua desconfiança em relação à lisura com que esse patrimônio é administrado. Falando a uma rádio de São Paulo hoje, Lobão ironizou a posição de Lulu Santos, favorável à Associação Brasileira de Produtores de Discos, dizendo que o cantor também se recusou a receber um disco de platina, o que colocava em suspeição o número oficial de seus discos que teriam sido vendidos por sua gravadora. "A história é verdade", confirmou Lulu. "Em 86 (acho), a antiga RCA quis me dar um disco de platina por um trabalho que ainda estava em 170 mil exemplares; era uma prática comum e de natureza promocional. Acreditavam, e muitas vezes acontecia, que o alavancamento promocional fazia com que o disco de fato atingisse a cifra, mas ninguém era pago ou descontado em razão de números ´maquiados´, e se você não quisesse, como no meu caso, não rolava. Isto nada tem a ver com supor-se que a gravadora frauda rotineiramente os artistas em seus ganhos." Para Beth Carvalho, a suposta divisão entre a MPB não é real, mas fruto de uma série de mal-entendidos. "Na verdade, todos querem a numeração, porque todo mundo quer transparência no relacionamento com gravadoras e editoras", disse. Ela avaliou que muitos músicos ficaram a favor da posição da ABPD porque foi defendida numa "carta amena, que nem parecia que era contra a numeração". "Muitos assinaram sem ler", afirmou a cantora. "Foi o caso do Zezé de Camargo, que assinou as duas listas, e o próprio Caetano." Os que defenderam uma posição mais conciliatória, como Gilberto Gil, também são a favor da numeração, destacou Beth. A deputada Tânia Soares (PC do B-SE) disse que vai acompanhar as discussões, e crê que os artistas deverão ter uma representação boa no grupo. "O lobby da indústria não pode ser mais forte nos debates", ponderou. Haverá apenas quatro representantes da classe artística no grupo de trabalho instituído pela Presidência: um cineasta ou produtor (pela Agência Nacional de Cinema, a Ancine), um escritor (pela União Brasileira de Escritores) e dois músicos. Três representam as companhias fonográficas e editoras e oito representam o governo. Há outro problema que não é esclarecido pelo decreto presidencial: qual será a tramitação do novo texto que será elaborado pelo grupo de trabalho. Deverá passar pela Câmara e pelo Senado de novo? Nesse caso, o recesso parlamentar e as eleições tornarão bem difícil a aprovação do texto ainda neste ano.

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