Festival de Manaus apresenta versões de Mahler e Strauss

Obras de Gustav Mahler e Richard Strauss foram a atração do primeiro fim de semana do festival

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Por João Luiz Sampaio
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Obras de Gustav Mahler e Richard Strauss foram a atração do primeiro fim de semana do Festival Amazonas de Ópera, realizado em Manaus. No sábado, 19, foi apresentado o ciclo A Canção da Terra, em que raiva, resignação, inconformismo e esperança compõem, na música de Mahler, um sombrio retrato da experiência humana; já no domingo, subiu ao palco uma nova produção de Ariadne auf Naxos, experiência de "teatro dentro do teatro" de Strauss.   Veja também:  Ouça análise de João Luiz Sampaio    A inspiração para A Canção da Terra surgiu da leitura de A Flauta Chinesa, volume com adaptações de textos poéticos chineses. O compositor havia perdido a filha pouco antes e, ao mesmo tempo, descobria sofrer de um sério problema no coração. Olhando por esse lado, não fica difícil entender porque esses textos - que falam de sombras, de desencanto, de solidão - atraíram tanto Mahler (não por acaso muitos vêem neste ciclo seu testamento musical).   Em Manaus, a apresentação da obra esteve a cargo da Amazonas Filarmônica, regida por Luiz Fernando Malheiro, e dos solitas Michael Hendrick e Denise de Freitas. A interpretação de Hendrick foi bastante irregular, com deficiências na articulação do texto e, em especial, nas notas mais altas de canções como Das Trinklied vom Jammer der Erde e Von Der Jugend. Desempenho melhor teve Denise de Freitas. Profundamente musical, ela demonstra cuidado com as palavras e, apesar dos problemas com as notas mais graves, constrói linhas muito bonitas, repletas de contraste, em canções como Der Einsame in Herbst e na monumental Der Abschied.   Já no domingo, 20, a produção de Ariadne auf Naxos mostrou desempenho mais equilibrado dos músicos da Amazonas Filarmônica. Aqui foi também o trabalho de Luiz Malheiro o fio condutor do espetáculo - com uma regência limpa e segura, precisa na condução das vozes, o maestro constrói um discurso musical dinâmico, que dá fluência e ritmo teatral ao espetáculo, compensando o desnível evidente entre os cantores solistas.   A ópera de Strauss se passa na residência de um magnata vienense, que contrata dois grupos de artistas para se apresentar a seus convidados: uma companhia de ópera dramática, que vai interpretar Ariadne, obra inspirada na mitologia grega - que nos conta que a princesa Ariadne é abandonada na ilha de Naxos pelo marido Teseu e lá espera, sozinha, pela morte - e uma trupe cômica. Surge entre os dois grupos certa rivalidade, que se acirra quando o mordomo avisa: por conta do jantar e dos fogos de artifício, seu patrão, preocupado com o horário, resolveu que as duas companhias devem apresentar-se ao mesmo tempo.   Strauss usa essa situação absurda para passar recados aos mecenas da época e, ao mesmo tempo, discutir algumas das muitas convenções do mundo do teatro. Basta lembrar que, originalmente, Ariadne foi escrita por Strauss como segunda parte de um programa a ser aberto por O Burguês Fidalgo, o que desagradou ao público, dividido entre o interesse pela comédia de Molière e pela música do compositor.   A concepção do diretor Caetano Vilela é visualmente muito bonita; funciona bem o cenário, uma grande plataforma que, de um ato a outro da ópera, gira sobre o palco, revelando ora os bastidores do palco improvisado na casa do magnata, ora a encenação em si. É preciso ressaltar também o cuidadoso trabalho com os cantores - a afetação do tenor e da soprano no prólogo ou do professor de dança, interpretado por Geílson Santos, impagável, aparecem na medida certa, e o mesmo vale para o mordomo de Caio Ferraz ou para o leve toque de ironia presente na interpretação das ninfas que vigiam Ariadne em sua solidão em Naxos (as sopranos Edna D’Oliveira, Gabriella Pace e Elaine Martorano, em atuação impecável).   Funciona também a transformação da trupe cômica em uma banda de rock, recurso levado ao limite, no entanto, quando eles se transformam em um grupo de emos, apaixonados por Zerbinetta. Esse, aliás, é o único reparo à direção de Vilela - o excesso de referências dilui sua concepção e, apesar dos elementos cênicos sugerindo a decadência da burguesia, da figura do mecenas e da relação de dominação que surge entre quem banca a produção artística e quem a realiza, a proposta inicial, de pensar Ariadne a partir da relação entre arte e política, se perde ao longo da cena.   Vocalmente, o destaque foi a meio-soprano Celine Imbert como o Compositor, intenso tanto na luta pela integridade de sua partitura como em seu furor de juventude, encantado pela possibilidade do amor com Zerbinetta, líder dos cômicos, e da inspiração que dele pode surgir. Bom desempenho teve também a soprano argentina Virginia Correa Dupuy como Ariadne, em especial nas passagens que exploram as regiões mais agudas da voz. Já a Zerbinetta de Rosana Schiavi foi o ponto mais fraco do espetáculo. Com problemas sérios de emissão na região média da voz, que levaram à utilização de microfones no prólogo, causando efeito desagradável, ela nem sempre se sai com desenvoltura também nas partes mais agudas da partitura, com afinação aproximada e presença cênica que deixa muito a desejar.   Um dado importante: Ariadne é uma co-produção com o Teatro Municipal de São Paulo. A parceria entre instituições é um caminho a ser seguido, reduzindo (dividindo) custos, o que aumenta o número de produções em cartaz no País e dá a cantores e músicos mais oportunidades de trabalho - e, com isso, ganha também o público.   O repórter viajou a convite da organização do festival

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