Festival de Choro homenageia regionais

Grupos veteranos e novos se apresentam no evento, no Rio, que tem também lançamento de disco de inéditas de Pixinguinha

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Por Agencia Estado
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Um disco com inéditas de Pixinguinha, outro com os hits de Waldir Azevedo (Brasileirinho, Pedacinhos do Céu, etc.), uma exposição de fotos das estrelas do passado e um festival com as feras atuais do choro medem a paixão do carioca pelo estilo musical surgido no século 19 e que entra no novo milênio como um dos mais populares gêneros musicais. Os projetos são paralelos, mas têm em comum os músicos nele envolvidos e o ponto de encontro é a Sala Baden Powell, antigo cinema Ricamar, em Copacabana, na zona sul do Rio, onde ocorre, desde quinta-feira, a terceira edição do Rio Choro, série de shows promovida pela prefeitura. "Este ano, homenageamos os regionais, nome dado aos grupos de choro na época do rádio, de 1930 até a década de 60. O primeiro festival deu destaque aos novos chorões e o segundo, aos discos lançados recentemente. Agora, olhamos para o passado", adianta Mário Séve, produtor do evento e músico do Nó em Pingo d´Água, um dos 12 grupos que se apresentam até o dia 21 deste mês, sempre de quinta a domingo. "Reunimos as gerações do choro, desde Dino Sete Cordas e César Faria, do Época de Ouro, que estão aí desde 1937, ao Abraçando Jacaré, Maogani e Rabo de Lagartixa, com gente que começou há poucos anos." O festival começou com o Água de Moringa, que existe desde 1989 e, em seu terceiro disco, gravou só músicas inéditas de Pixinguinha. A história do CD vem de três anos atrás, quando a família do compositor entregou à editora da gravadora Sony um caderno com mais de 40 partituras dele, tidas como inéditas. Coube a Luiz Flávio Alcofra e a Jaime Vignoli (respectivamente violão e cavaquinho do Água de Moringa) analisar as músicas e descobrir que nem todas eram inéditas. Um quarto eram arranjos de Pixinguinha para músicas de outros compositores e/ou haviam sido gravadas com outros títulos. "Das inéditas, escolhemos as 13 que se adaptavam mais a nosso estilo e de que gostávamos e gravamos há cerca de dois anos", conta Marcílio Lopes, que toca violão. Apesar de o biógrafo de Pixinguinha, Sérgio Cabral, afirmar no encarte que a obra é inesgotável, o grupo teve pruridos para gravá-las. "Sempre fica aquela dúvida, pois talvez o compositor não as mostrou porque não as achava boas. Mas a gente chegou à conclusão de que estão à altura do resto de sua obra e mesmo quem discordar vai ter um registro histórico." O disco abre com o choro amaxixado Viva João da Baiana, homenagem ao sambista pioneiro e companheiro de Pixinguinha, e segue mesclando valsas, um baião e três lundus (gênero precursor do samba), as únicas faixas com letras de Gastão Vianna, irmão do compositor, cantadas por Martinho da Vila, Nei Lopes e Monarco. "As outras são instrumentais, mas duas ou três dão a impressão de terem sido feitas para alguma letra que se perdeu", conta Lopes. "Pixinguinha tem um andamento mais percussivo e essas músicas são tranqüilas, melodiosas." O disco de Waldir Azevedo tem história inversa. É o sexto volume da coleção Sempre da gravadora Kuarup, que homenageou Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolin, Anacleto Medeiros e Chiquinha Gonzaga. Aqui, trata-se de relembrar o talento do chorão mais popular a seu tempo, pois Brasileirinho vendeu 700 mil exemplares nos anos 50 e Waldir criou uma linguagem-solo para o cavaquinho, que até hoje é imitada e/ou influencia os instrumentistas. Rivalidade - São também 13 faixas, mas só duas estavam disponíveis em lojas. As outras vêm de projetos não comerciais ou estão fora do catálogo das gravadoras. "O público vai comparar várias interpretações de Waldir. Tem Brasileirinho, com Bruno Rian e Márcio Almeida, da nova geração, e Pedacinhos do Céu, com Ademilde Fonseca, nos anos 50, num arranjo cuja autoria não descobrimos. Deve ser alguém da escola de Radamés Gnatalli, que dava ao ouvinte de rádio a impressão de estar numa sala de concerto", conta Henrique Cazes, que selecionou as faixas e se apresentou com o Novo Quinteto. "Por causa da rivalidade com Jacob do Bandolin e da simplicidade de sua música, Waldir foi considerado por uma faixa de chorões um músico menor. Hoje esse preconceito está ultrapassado." Os regionais estão no palco e na exposição de fotografias no saguão do teatro. São do acervo de Sérgio Prata, músico do Sarau e pesquisador de choro. "Esses grupos acompanhavam os cantores nos programas ao vivo e receberam o nome de regional porque, no início, se apresentavam com roupas típicas. Os mais famosos foram o de Benedito Lacerda e de Canhoto, na verdade, o mesmo grupo. Entre 1930 e 1950, o líder era Lacerda. Depois Meira, Dino e Canhoto passaram a se apresentar sem ele, que vivia com outros compromissos extramúsica", conta Prata. "Pouco antes de Lacerda sair, Pixinguinha integrou o grupo que passou a ser a atração principal na Rádio Tupi." Regionais - Para conseguir as fotos, Prata mantém contato com a família dos músicos de regionais. "O acervo é muito bom, mas está espalhado. De vez em quando, consigo fotos, reproduzo e aumento minha coleção", diz ele. "Vamos homenageá-los hoje, no show do Época de Ouro, pois é o grupo mais antigo, do qual ainda fazem parte Dino, César Faria e Jorginho do Pandeiro, que tocaram com o Jacob do Bandolin. Na sexta-feira, dia 19, quando o Sarau toca, estarão presentes outros músicos e o show será metade com nossas músicas e metade com os arranjos de Pixinguinha para os regionais." Para os chorões, esta música se mantém popular por mais de um século porque se adapta às inovações estéticas e tecnológicas. Lopes lembra que os jovens dão ênfase ao ritmo e criam harmonias dissonantes, ausentes no choro tradicional. O uso de instrumentos eletrificados, antes uma heresia, é bem recebido. Já Henrique Cazes atribui essa popularidade a uma atitude informal para se ouvir. "Antigamente, uma roda de choro exigia contrição e ninguém podia trazer novidades, mas os músicos eram sempre os mesmos", lembra Cazes. "Hoje, as rodas são mais descontraídas e, a cada dia, surgem mais músicos e novas composições, com formações que fogem ao tradicional."

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