Festival criado por Gilberto Mendes ganha primeiro CD

Selo Sesc presta tributo ao compositor exatamente um ano após sua morte, reunindo compositores de seu círculo

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Gilberto Mendes morreu no dia 1º. de janeiro de 2016, aos 93 anos, por falência múltipla de órgãos, em Santos, cidade em que nasceu e onde criou o Festival Música Nova, em 1962. Mendes projetou a cidade internacionalmente, promovendo no festival grandes nomes da música experimental. Foi também o porta-voz musical do grupo dos poetas concretos e um compositor da estatura de Pierre Boulez (ele, aliás, trouxe músicos do Ircam, fundado pelo francês, para tocar aqui). Boulez morreu quatro dias depois de Mendes.

O compositor Gilberto Mendes na praia, em Santos: ele projetou internacionalmente a cidade Foto: Robson Fernandes/Estadão

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Boulez, obviamente, teve a sorte de nascer num país que não espera o crepúsculo para homenagear seus mestres. Aqui, se o Sesc de São Paulo não tivesse assumido os encargos do Festival Música Nova, em 2012, provavelmente teria desaparecido antes de seu criador. Parece incrível, mas só agora sai o primeiro registro do festival, um belo CD duplo (do selo Sesc) que reúne peças ousadas de Mendes e outros compositores, amigos do mestre.

O CD reúne composições interpretadas pelo ensemble Música Nova na edição de 2014 do festival, em Ribeirão Preto, gravadas posteriormente sob a regência do maestro norte-americano Jack Fortner. Duas composições são assinadas por Gilberto Mendes, Longhorn Trio, composta em 1983, em Austin, Texas, onde o compositor deu aulas, e Ulisses em Copacabana, Surfando com James Joyce e Dorothy Lamour (1988), obra encomendada ao músico brasileiro para o Festival Internacional de Patras, na Grécia, criado há 30 anos por Thanos Mikroutsikos. Até pelo número de músicos envolvidos na segunda peça, trata-se de um projeto mais ambicioso, que contrapõe elementos da cultura erudita à cultura de massa, cruzando bossa nova e a sintaxe neoclássica nesse painel da evolução da cultura musical do Ocidente.

A seleção dos 12 compositores presentes no CD é rigorosa. Sílvio Ferraz, que foi aluno de Mendes e hoje recebe encomendas de instituições como o British Council, prova sua afinidade com o mestre numa toada que lida com o conceito de aboio, em que os instrumentos imitam até o rangido da roda de boi. Curiosamente, a peça Longhorn Trio, de Mendes, evoca igualmente a figura de um boi – o longhorn texano, com chifres horizontalizados – para traduzir a paisagem do sul dos EUA por meio de dois instrumentos de sopro e piano.

Outro nome estreitamente ligado a Mendes, que orientou sua tese de doutorado, o santista Gil Nuno Vaz é outro destaque no CD com Prenascença, peça bastante original em que a viola e o violoncelo sugerem as figuras de dois rastreadores atrás de um objeto sonoro.

A edição do CD reforça as ligações que existem entre compositores e suas criações. Lunatic (2012), de Dorothea Hoffmann, inspirada no Pierrot Lunaire de Schoenberg, tem um clima sonoro saturnino que contrasta com Arlequim Solar (2010) de Liduino Pitombeira – peça em seis movimentos que interpreta o poema O Arlequim, de Cecília Meireles, sobre o personagem da Commedia dell’arte que diverte a plateia por ser feito de sol. O CD tem como faixa de conclusão Granite Blocks/Quiet Water (2014), uma homenagem do maestro Jack Fortner a Gilberto Mendes e ao Festival Música Nova.

Lançamento. O lançamento do CD Festival Música Nova será no dia 20, às 21 horas, no Sesc Santos (R. Conselheiro Ribas, 136). É uma oportunidade de aproveitar as férias e conhecer as composições de íntimos colaboradores de Gilberto Mendes no festival que ele criou há 55 anos, como o maestro norte-americano Jack Fortner, Tatiana Catanzaro (representada no CD por uma leitura musical do poema L’Attente, de Guy Gofette), o já citado Gil Nuno Vaz e Paulo Costa Lima, autor da antropofágica Água Mineral, composição de 2007 em que explora o diálogo entre a flauta, a clarineta e o trompete com as cordas.

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