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Festival abre portas de mosteiro para a música

Por Agencia Estado
Atualização:

Lá fora, garoa leve, filtrada pela luz amarela dos refletores. Ruas quase desertas, limpas, sem um pedaço de papel no chão. Posto policial aberto 24 horas e nenhuma ocorrência. Um café romântico, com cortinas nas janelas e flores nas mesinhas. Dentro do mosteiro, quietude e paz. Ouve-se Bach e a música se irradia para o pequeno largo. Quem passa, entra na igreja para ouvir melhor. Parece cinema, mas é o centro velho de São Paulo, às 20h30 de uma terça-feira. Muita gente já descobriu que toda terça-feira, nesse horário, pontualmente, tem concerto de órgão no Mosteiro de São Bento, onde cabem 700 pessoas sentadas. Em sua nona edição, o Festival Internacional São Bento de Órgão começou na semana passada e vai até 17 de dezembro. Desta vez, o Canadá está em pauta. Amanhã, o organista William Maddox executa obras de Gigout, Bach, Bédard, Braga, Wagner, Nevin e Duruflé. A entrada é gratuita. "Sempre ouvi falar no órgão do Mosteiro de São Bento e tinha muita vontade de vir", contou o designer têxtil Eduardo Paziam, de 32 anos. Ele soube do festival pelo rádio e pensou: "Preciso ir lá hoje." Paziam assistiu ao concerto do canadense Denis Bédard na primeira fila, de pés descalços. "Eu quis captar a energia do lugar." Depois, ele disse que se sentia com a alma leve. "É uma bênção para os ouvidos e o coração." Pedro José Sardinha Gonçalves, de 10 anos, prestou muita atenção nos pedais. Ele estuda piano e estava acompanhado da professora, Míriam Matos, de 59, e do pai, José Pedro, de 51, médico. "Bom, extraordinário", foi a sua avaliação do desempenho de Bédard, que encontrou na saída. "Ele toca que é uma graça", comentou a professora a respeito do menino. Os funcionários públicos Paulo Arantes e Mírim Garavelli ouviram o concerto abraçados, de olhos fechados. "Estávamos em outra dimensão", disse ele. Um homem ficou o tempo todo atrás do confessionário, encolhido feito um tatu-bola. Outro, de joelhos, no altar lateral. Senhoras muito bem-vestidas, punks e metaleiros saídos da Galeria do Rock, ali perto. De tudo se vê. Público - Para o pianista Amaral Vieira, coordenador artístico do festival desde 1999, responsável pela escolha dos organistas e do repertório, essa platéia que vai fervorosamente ao Mosteiro de São Bento "é uma grande incógnita". "Não é um público tradicional de concerto ou que freqüenta o Teatro Municipal, por exemplo. Eles vêm atraídos pela música de órgão apresentada no espaço adequado. Ouvem uma vez, gostam, vêm de novo e trazem outros." O público aumenta a cada concerto. "Nos últimos, costuma vir tanta gente que não dá para se mexer e sobram muitas pessoas do lado de fora", conta Rose Carmona, coordenadora de projetos especiais da Associação Viva o Centro, que realiza o festival, patrocinado pelo Bank Boston. Há nove anos, junto com o festival, começou a revitalização do Largo de São Bento. O piso foi trocado e a fachada do mosteiro restaurada e iluminada. As pessoas chegam para os concertos de carro (há estacionamento com serviço de manobrista), de ônibus e, principalmente, de metrô. No posto 24 horas, onde se faz uma experiência de policiamento comunitário, os policiais são sempre os mesmos. "Nos últimos anos não há camelôs, menores de rua nem ocorrências policiais nesta área", diz Rose. "É um oásis." O Metrô São Bento virou shopping center, com praça de alimentação e um restaurante sofisticado, o Ifigênia. Em um imóvel fechado havia 20 anos hoje funciona o Café Girondino, que fica aberto até meia-noite e virou uma referência. Excelência - Segundo Amaral Vieira, toda cidade culturalmente importante tem um grande festival de órgão e São Paulo não poderia deixar de fazer um. "Muitas vezes, as cidades não têm um instrumento de grande porte. Aqui, por sorte temos um órgão sinfônico e cheio de recursos, e os beneditinos, que cuidam muito bem dele." O órgão tem 6 mil tubos, 77 registros reais, 4 teclados manuais e pedaleira. "É o melhor da cidade e do Brasil e um dos melhores da América Latina." Com um "espaço maravilhoso e um instrumento fantástico", como ele diz, só faltava organizar o festival. No começo, o evento ocorria ao longo do ano. Agora, é no espaço de dois meses, no mesmo dia da semana, começa rigorosamente quando o sino do mosteiro bate 20h30 e termina exatos 50 minutos depois. "Nunca mais do que isso porque as pessoas já trabalharam o dia inteiro e estão cansadas. Se acaba tarde, elas perdem a coragem de voltar na semana seguinte." Único brasileiro a participar do festival deste ano, o paulista Newton de Lima, que se apresenta no dia 26, diz que já está sentindo "um friozinho na barriga". Ele é organista da Igreja da Consolação e vai tocar Bach e Mendelssohn.

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