Em 1987, em seu ateliê localizado próximo ao Mercado da Ribeira, em Olinda, Pernambuco, o artista plástico Maurício Silva se punha a tentar imaginar o que se passava na cabeça de Felipe, o filho dele que, aos 13 anos, vivia os primeiros anos da adolescência. O resultado tem cores quentes, imagens difusas, como deve funcionar, mesmo, a imaginação, os sonhos e as primeiras frustrações de qualquer jovem que começa a ter espinhas no rosto e a perceber os primeiros pelos de bigode no buço. Silva, que reside na França há 13 anos, fez 12 cópias de Cabeça de Felipe, nome dado à obra em questão que homenageava o filho. Vendeu dez e duas delas ficaram com a mãe de Felipe. Na próxima vez em que o hoje músico de 33 anos retornar ao Estado natal, voltará a São Paulo com um dos quadros para pendurar na casa onde mora, nas proximidades da estação de metrô Vila Madalena.
Quando Felipe Souza de Albuquerque, mais conhecido pelo nome artístico de Felipe S, vocalista do Mombojó – das bandas mais inventivas a vir do Recife depois da geração que estabeleceu o manguebeat, com Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre SA –, decidiu lançar seu primeiro disco solo, percebeu que a obra do pai ainda fazia sentido, mesmo criada três décadas atrás. A cabeça de Felipe pode não ser mais a mesma – ainda bem –, mas ainda é algo que os fãs de Mombojó, acostumados a acompanhar o trabalho do músico ao longo dos cinco discos da banda, não conheciam por completo.
Cabeça de Felipe, o disco que conta com a imagem criada por Maurício Silva na capa e tem show de pré-lançamento na sexta, 27, apresenta sonoridades e formatos que já não se encaixam no material produzido por Felipe ao lado do restante da sua trupe. Com o Mombojó, o processo criativo foi, a cada disco, transformado. De individual, erguido por Felipe, para o coletivo. “Os primeiros discos com a banda parecem mais com minhas composições próprias. Eu chegava com as canções prontas e as interpretávamos. Atualmente, entramos no estúdio e criamos juntos”, explica.
Em julho do ano passado, à espera de uma turnê do Mombojó com a francesa Laetitia Sadier, do Stereolab, ainda sem data exata para ocorrer, Felipe decidiu aproveitar o estúdio que montou em um dos quartos da sua casa. Lá, gravou 80% das dez faixas que compõem o disco. “Passava meus dias ali, gravando. Numa semana, mostrava para algum amigo. Na outra, a música já estava pronta”, relembra. Por isso, o título veio tanto a calhar: é uma entrada para um mundo de Felipe como compositor, onde há espaço para o samba (como Santo Forte), para as canções de amor (como Sabe Quando) e até as mais tortas (como Tigre Palhaço).
O trabalho solo, para Felipe, soa como férias. Em uma viagem de carro que fez até Recife, cercando o litoral do País, o músico ouviu o disco. “São canções que me remetem à praia, à natureza”, ele explica. “Me parece ser um trabalho que combina com a ideia de ser ouvido ao dirigir pela estrada”, completa.
Em Cabeça de Felipe, ele abre as portas de si mesmo para fazer valer o verso “de perto, ninguém é normal”, cantado por Caetano Veloso na música Vaca Profana. “Fiquei pensando que as pessoas vão me achar doido”, ele diz. “Minha mãe, minha sogra perguntam se isso vai dar certo. O que eu sei é que estou gostando para c....”