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Estrela da Jovem Guarda, órgão segue vivo e influente na música brasileira atual

Instrumento pode ser ouvido em importantes lançamentos para a cena paulistana em 2012

Por Roberto Nascimento
Atualização:

A história de uma das sonoridades mais distintas e recicladas da música popular brasileira começa com Erasmo Carlos chamando o pianista Lafayette para gravar um single em 1964. No estúdio, havia um órgão Hammond, com o qual Lafayette começou a brincar. Tocou os acordes de forma inerte, sem salpica-los, segurando-os, apenas, compasso por compasso, para que fosse construída uma cama de vibrações espalhadas entre guitarra, baixo e bateria. Roberto Carlos gostou do que ouviu - o bichinho de som único, moderno, cheio de soul, dando segurança à sua voz - e mandou rolar a fita, assim decretando o início dos dias de glória daquele acompanhamento safado, manso - mas sempre na espreita - que exerceu impecável função coadjuvante em seus discos de Jovem Guarda, de 1965, até os lançamentos de meados dos anos 70.

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Mais de 40 anos depois, passados os dias de glória na corte do Rei, os dias requisitados na soul music, na psicodelia sessentista, na música romântica popular; passados os dias infelizes, em que foi relegado a puteiros e churrascarias, passada a crista do revival da Jovem Guarda, nos anos recentes, o órgão sobrevive. Ouça Retrovisor, de Céu; Mistério no Olhar, de Saulo Duarte e a Unidade; Par de Tapas Que Doeu em Mim, de Tatá Aeroplano (em excelente disco solo, por sinal) e Estrela Decadente, de Thiago Pethit - todos lançamentos importantes para a cena paulistana, em 2012 - e presenciará o vigor de tais vibrações, de como brincam com o passado, sugerem o cafona, o excessivamente antiquado, ao mesmo tempo em que se acoplam a carimbó, hip hop, indie rock, neo brega e outras estéticas que definem a MPB contemporânea. Juntas ao imortal órgão, separam a MPB da estética indie pop do resto do mundo. “Deve ser uma ação inconsciente de recuperar o passado, de superar a ressaca de timbres eletrônicos usados nos últimos anos” reflete Dustan Gallas, produtor do recém-lançado disco de Tatá Aeroplano, antes de deixar claro que não tem nenhuma preferência específica pela Jovem Guarda, mas gosta do órgão e o usa apenas quando a “canção pede”. Dustan é uma espécie de connaisseur do instrumento. Seu estilo de produção é influente na cena atual, em que ficou conhecido através de seu trabalho com o Cidadão Instigado, expoentes do revival atual da música romântica (ou brega) do final dos anos 70. Foi o produtor de escolha de Tatá, por conhecer a fundo os discos e timbres da época. “O clássico é o Lafayette”, conta Dustan. “Parece que ele usava um Vox. Até dou umas estruturas de música dele, como introduções de uma nota só, uso linhas que foram cantaroladas por Tatá na demo e as replico com o órgão”, explica. 

No disco, sua escolha de armas é clássica: um Mellotron, espécie de sampler primitivo, em que sons orquestrais são gravados em fitas magnéticas, um Farfisa, timbre cobiçadíssimo nos anos 60 (que Lafayette tentava imitar com um Hammond), e um Roland RS-09 (foto). “São muitas referências. Tem muita coisa de banda italiana dos anos 70 - as canziones têm muitos acompanhamentos de Farfisa. A Jovem Guarda foi se ‘organizar’ com o Farfisa. Tem bastante coisa de Roberto, música popular romântica, brega e bandida, dos anos 70, discos da Diana”, completa. 

Um de seus recursos preferidos, escolhido tanto por ele mesmo, para o disco de Tatá, quanto por Kassin, outro produtor de renome, no novo disco Estrela Decadente, de Thiago Pethit, é o Mellotron, que chegou às mãos de Dustan através de Gui Amabis, enquanto trabalhavam juntos no novo disco de Céu. “Não é o Mellotron original”, conta Amabis, em entrevista ao Estado. “São samples do Mellotron do Beto Villares”, diz, referindo-se ao também produtor de Céu. É uma prática comum: Dustan e outros têm uma afinidade com timbres vintage, mas não restrita aos equipamentos em si, caros e difíceis de encontrar, e mais acessíveis em softwares. “Eu gosto muito do som do órgão antigo, o de igreja”, conta Amabis. “Mas tem o Hammond, o Wurlitzer. Sempre foram usados, mas as pessoas estão cansando da tecnologia”, completa.

Nos novos discos em que figura o velho órgão continua a exercer seu papel de fiel coadjuvante. Vide Ponto Cego, do cantor gaúcho Juli Manzi, e um disco de estreia prestes a ser lançado por Saulo Duarte.

Na Vibe de 2012:

Saulo Duarte

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Com disco no forno, o cantor paraense desfere vibrações sobre o carimbó natal de seu single Mistério no Olhar 

Tatá Aeroplano

Sobre as referências ao brega bandido de Sérgio Sampaio e Raul, Tatá e Dustan trabalham texturas de Mellotron e Farfisa 

Juli Manzi 

Uma tendência mais roqueira e de Jovem Guarda é ilustradapelo órgão em seu single Insônia, do novo disco Ponto Cego 

Thiago Pethit

O indie pop almejado em Estrela Decadente tem o toque do antigo Mellotron 

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Céu 

Em Retrovisor e outras do novo Caravana Sereia Bloom, o órgão alterna entre samba e trip hop 

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