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'Estou na estaca zero', afirma Ney Matogrosso aos 70 anos

Diante de toda discografia relançada, cantor diz ter a sensação de recomeço e planeja novo disco

Por Adriana Del Ré
Atualização:

Aos 70 anos, completados em agosto, Ney Matogrosso acaba de passar sua discografia solo a limpo. Após a caixa Camaleão, lançada em 2008 e que resgatou os 16 primeiros discos de carreira, o cantor sul-mato-grossense vê agora seu legado musical disponível no mercado em sua plenitude. 

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Com coordenação de Rodrigo Faour, o novo box Metamorfoses reúne os 15 discos, de 1993 a 2009, que ficaram de fora de Camaleão (que abrangeu seus trabalhos dos anos 70 pós-Secos & Molhados até início dos 90). O projeto inclui, ainda, um CD duplo com raridades. Em entrevista ao JT, em São Paulo, Ney falou da sensação de recomeço ao ver todos seus álbuns relançados e da vontade de continuar produzindo.

Com a caixa ‘Metamorfoses’, toda sua discografia, agora, está de volta ao mercado. Sentia falta disso?

Essa segunda caixa foi a Universal que me deu como presente de 70 anos. Eu não esperava isso, porque é uma coisa complicada fazer uma caixa. São muitas gravadoras envolvidas, mas, quando me disseram, fiquei feliz. Quando vi, disse: “Bom, agora estou na estaca zero, recomeçando”. Porque todo meu trabalho gravado está disponível.

Qual foi sua participação nela?

Nessa caixa, não tive uma relação direta. Só fiz questão de algumas músicas, que eu já queria que estivessem na primeira caixa, como, por exemplo, meu número com a Marlene (Quem É?), um teatro de revista engraçado; um número com a Elza Soares (Tem que Rebolar); e uma música com o Cauby (Toda Vez Que Eu Digo Adeus).

Esse projeto abrange a fase final da parceria com o produtor Mazzola, com quem você trabalhou dos anos 70 até 1996. O que ele trouxe à sua obra e em que momentos houve discordâncias?

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Antes de qualquer coisa, somos amigos. Nunca brigamos. Era mais uma questão ideológica. Mas o Mazzola acrescentou muito. Os maiores sucessos da minha carreira foram feitos por ele. Havia uma relação forte de confiança. Mas chegava um momento que eu queria ir para um lado e sentia que havia uma intenção dele de que eu fosse para outro. Então, decidi que deveria seguir minha voz interior. Foi no disco da Angela Maria (Estava Escrito) que tomei a decisão.

Os embates eram só conceituais ou passavam também pela sonoridade?

Não, a questão de arranjo eu concordava. Tivemos um arranjador chileno, que morava nos EUA, onde fiz o disco que tem o Tanto Amar (Matogrosso, de 1982), que é um álbum que adoro e as pessoas achavam que eu estava me americanizando. Não acho que estivesse. Fui fazer uma entrevista e o radialista disse que eu deveria me chamar Ney América do Norte. Eu disse: “Não, Ney Matogrosso do Brasil”. Meu trabalho é brasileiro.

Mas nunca pensou em fazer carreira no exterior?

Não, eu nunca quis me internacionalizar. Se você quer fazer uma carreira internacional, tem de estar morando fora e eu jamais moraria fora.

E como foi para você passar a tomar as rédeas de seus discos?

Olha, eu me sentia seguro quando isso aconteceu, porque eu sempre dei palpite. Claro que a responsabilidade não era toda minha, eu dividia com pessoas.

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A caixa reúne vários discos-tributo, como Angela Maria, Cartola, Tom Jobim e Villa-Lobos. Existe uma preocupação sua quando o álbum envolve um homenageado e uma obra pronta?

É mais difícil. Especialmente do Cartola, com um único assunto do começo ao fim, que poderia tornar o trabalho menos atraente. Aí, entram os músicos que vão trazer uma diversidade dentro de um mesmo assunto.

Mas qual a responsabilidade de lidar com essas obras? Afinal, além de serem fechadas, você geralmente tem diante de si uma grande obra que precisa editar.

Acho que onde meu trabalho foi mais evidente nesse aspecto foi no Chico (Buarque, no disco Um Brasileiro). Fui para minha casa no mato, sozinho. Levei todos os discos dele e botava para tocar. Ficava andando. Quando me chamava atenção, eu anotava o nome da música. Quando eu já tinha grande parte do repertório, notei que tudo o que me atraiu remetia mais aos anos 70. Foi totalmente inconsciente.

Há um traço bacana em sua obra que é o resgate de nomes importantes da música, esquecidos ou não.

Acho que, sendo um intérprete e não um compositor, me dou ao luxo de poder desfrutar de tudo o que a música brasileira oferece, independentemente de tempo ou espaço. Foi um desfrute para mim fazer o disco Batuque, cantar aquelas músicas, Carmen Miranda.

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Nunca se exigiu gravar só inéditas?

Não necessariamente. Claro que gravo músicas inéditas quando tenho coisas interessantes, mas não fico restrito a isso. Quando eu coloquei Batuque na roda, para essas duas últimas gerações, foram canções inéditas. Agora, fiquei muito surpreso quando gravei o Cartola, porque, por meio dele, uma geração muito nova se aproximou de mim. Mais tarde, entendi. Naquele momento, estava havendo uma renovação do samba e, quando cantei Cartola, juntou com isso.

As Aparências Enganam (faixa-título de seu disco) foi uma música que Elis Regina havia gravado e você teve receio de regravá-la. Isso só acontece com Elis ou com outros intérpretes também?

É só com a Elis. As gravações dela são definitivas. Aí, qualquer pessoa que vai gravar coisas que ela já tenha feito corre o risco de ser comparado. Minha versão tem de ser tão interessante que eu não seja comparado com ela. Porque, na comparação com Elis, se perde.

Já pensa num próximo disco?

Estou com umas 10, 11 músicas que eu gosto, mas ainda não fechei. Estou com uma tendência a ouvir Charlie Brown Jr., O Rappa… Mas nisso tudo tem Paulinho da Viola, tem música do (grupo) Tono. Está bem misturado. Tem uma do Lenine, Rua da Passagem, que diz: “Todo mundo tem direito à vida/Todo mundo tem direito igual”. Eu quero abrir o show com isso. Do travesti ao cachorro, todos têm direito à vida.

Há novidades sobre a sequência do filme O Bandido da Luz Vermelha, protagonizada por você?

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Vai ser lançado em janeiro de 2012, finalmente. Já o vi montado. Senti muita falta da cena do meu encontro com meu filho na cadeia, que acabou não entrando. Mas o cinema não é seu, do ator. É do diretor. Falei para Helena (Ignez, diretora), mas ela disse que não estava bem filmado. Mas o cinema me interessa.

Você diz gostar de teatro, mas não largaria a música para fazê-lo…

Você não sabe a proposta que eu recebi. O Zé Celso (diretor do Teatro Oficina) me ligou dizendo que eles vão para a Europa fazer Bacantes, que a atriz que faz a rainha não poderá ir e ele queria que eu fizesse o papel dela. Perguntei por que ele queria que eu fizesse uma mulher e ele me disse que é por causa da minha voz, que sabia que eu ia arrasar. É agora, de dezembro a fevereiro. Te confesso que tive vontade de largar tudo. Mas não posso. A música não me deixa três meses liberado. Já cinema não pega muito meu tempo. Mas não quero fazer cinema por fazer. Quero fazer algo que me interesse, que seja desafiador, que exija de mim.

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