Entre a 'live festiva' de Ivete Sangalo e a 'live artística' de João Bosco

Extremos de uma mesma ideia, os artistas usaram o meio com discursos diferentes em um final de semana para muitos gostos

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Por Julio Maria
Atualização:

Ivete Sangalo fez uma das lives mais comentadas nesse final de semana, no sábado, entre 22h30 e 1h, abrindo um projeto da Globo para este seguimento, o Em Casa. Ivete foi na contramão de quase tudo o que está sendo feito até aqui em transmissões assim. Usou pijamas, ficou descalça, deixou o filho de dez anos e o marido participando ao fundo, posicionou os bichinhos de pelúcia para serem sua plateia e cantou faceira sobre uma base de playback enquanto os comentários jorravam nas plataformas.

Ivete e o marido, Daniel Cady Foto: Globo/Divulgação

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Algumas horas antes, João Bosco estava também na sala de sua casa, mas sentado no sofá surrado de cores quentes abaixo dos retratos de músicos que ele admira e com o violão no colo, concentrado, vestido como se veste para os shows e falando muito do amigo internado com covid-19, Aldir Blanc. “Estamos na torcida para que ele saia logo dessa”, disse, sobre a recuperação do parceiro, internado no Rio. João falou e cantou, como se estivesse em um palco de teatro, De Frente pro Crime, Incompatibilidade de Gênios, Corsário, Cordeiro de Nanã e, do álbum mais recente, Abricó-de-macaco.

Ivete e João são os extremos das lives que começam a criar, para não perder o costume, uma certa polarização. Muitos artistas grandes e de intenção pop, como Ivete, entregam a diversão com pitadas de um certo voyeurismo daquele que foi consagrado no entretenimento no início dos anos 2000, quando surgiu o conceito de programas como o Big Brother Brasil. Mais do que ouvir Ivete, as pessoas escreveram sobre como foi incrível vê-la de pijama rosa com bolinhas brancas, de como seu marido parece simpático e seu filho, um fofo. Não importava de onde saía a música e nem mesmo se ela era de verdade. Ivete quebrava a parede do espetáculo para escancarar a alegria doméstica das salas e das lajes e talvez, mais do que levando as pessoas para dentro de sua casa, migrando para a casa das pessoas como se dissesse ‘vocês também podem fazer isso’. Aumentar o som, pular com a família, cantar com o filho. Quem poderia condenar uma atitude dessas em nome da arte engajada e transformadora? 

João Bosco atraiu seu público e também ganhou elogios. Ele é bem menos mobilizado nas redes sociais, seus números de views não são tão atraentes às fabricantes de cerveja como são os sertanejos e os interesses em vê-lo nessa situação parecem, digamos, menos mobiliários. A sensação de vê-lo em casa tocando obras de uma das maiores reinvenções feitas por uma voz, um poeta (Aldir) e um violão deve ter o prazer equivalente ao dos fãs de Ivete ao vê-la pular com a família. João está ali na sala de sua casa sozinho diante de apenas uma câmera, contando as histórias das músicas e permitindo-se improvisar. Uma categoria de “live artística” que tem crescido desde que nomes como Guilherme Arantes, Mônica Salmaso, Nuno Mindelis e muita gente boa tem usado o meio que até então não passava por seus radares com tanta estratégia de divulgação. “Só resta saber como monetizar”, diz Nuno Mindelis. Ele está certo. As lives menores, sem a Globo ou a Brahma pagando a conta, ainda não fazem a roda girar. Mas não subestime esse ativo. Anunciantes podem estar perdendo a chance de falar com seu público de forma bem mais eficiente ao desprezarem esses artistas. 

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