Em SP, a voz rara de Jennifer Larmore

A meio-soprano norte-americana, uma das mais versáteis artistas de sua geração, faz a partir desta quinta três recitais no Teatro Cultura Artística, com um repertório amplo, que cobre quase quatro séculos de história da música

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Seja em papéis favoritos de todos os tempos como Carmen, no trabalho de revalorização do repertório barroco ou mesmo no rico universo do cancioneiro internacional, a meio-soprano norte-americana Jennifer Larmore é uma das mais versáteis cantoras líricas de sua geração. Versatilidade - e qualidade - que o público paulistano poderá acompanhar de perto a partir de amanhã, quando ela faz, ao lado do pianista francês Antoine Palloc, no Teatro Cultura Artística, o primeiro recital de uma série de três que marca sua estréia no Brasil. Jennifer escolheu para suas apresentações um repertório que cobre um período bastante amplo da história da música, desde canções e árias de concerto de Mozart e Rossini até o ambiente espanhol de canções do influente cubano Joaquin Nin ou do espanhol Xavier Montsalvage, compositor do século 20 fortemente influenciado por autores franceses, em especial Darius Milhaud. "Sou uma pessoa egoísta", diz ela à reportagem. "Para mim, escolher o programa de um recital é basicamente uma questão de gosto: se canto o que gosto de cantar, me divirto e, assim, garanto diversão ao público." "Rossini é, talvez, meu autor preferido, em parte porque foi a Rosina de seu Barbeiro de Sevilha meu primeiro papel, mesmo antes de eu ter uma carreira", explica Jennifer, lembrando que, nesta semana, faz 20 anos da noite em que subiu ao palco pela primeira vez, em uma pequena produção de escola, quatro anos antes de fazer sua estréia profissional. Além desse repertório, o programa dos recitais em São Paulo incluem uma boa dose de música francesa - Fauré, Gounod, Debussy. "Não sei, mas talvez o fato de ter começado minha carreira na França fez com que eu me apaixonasse pela música e o estilo franceses." Há ainda, I Want to be a Prima Donna, divertida canção de Herbert, em que "uma cantora que não é, mas acha que já é uma prima-dona, fala, bem, de si mesma". Música brasileira? "Vou arriscar, mas não digo o que vou fazer", brinca. No repertório de suas apresentações em São Paulo, a própria meio-soprano Jennifer Larmore é a primeira a apontar uma ausência: Haendel. "Deve ser um dos poucos recitais em que eu não vou cantar nada dele", afirma. De fato, Haendel, assim como o período barroco em geral, tornou-se uma de suas principais marcas registradas: seu Giulio Cesare, por exemplo, gravado com René Jacobs, é referência. "Haendel e Monteverdi são compositores cujos papéis são bastante saudáveis para mim, pretendo cantá-los até o fim da minha carrreira." Mais do que obras que, na sua opinião, mantêm o frescor da voz, as do período barroco provocam em Jennifer uma "sensação muito boa". "É um estilo que fala muito diretamente comigo e pelo qual sou apaixonada." E Jennifer assume a sua defesa, criticando artistas que depõem contra esse repertório, colocando a importância da interpretação de lado. "Há gente que acha que em Bach ou Haendel não há drama, mas eles estão repletos de paixão. A coloratura, os trinados, todos eles têm uma razão de ser, não é ficar parado mexendo a boca: exige um modo específico de se comportar no palco, de controlar a voz." Este repertório, no entanto, é apenas uma das facetas do trabalho de Jennifer, natural de Atlanta. No campo da ópera, além de Rossini e Mozart, ela já assumiu papéis como Romeo (Capuletos e Montéquios, de Bellini), Giulietta (Os Contos de Hoffman, de Offenbach), Charlotte (Werther, de Massenet), Marguerite (A Danação de Fausto, de Berlioz), entre outros - para o futuro, fala de Eboli do Don Carlo de Verdi ou da Dalila de Saint-Säens. No campo da canção e da música sinfônica, A Canção da Terra, de Mahler, e o Gurrelieder, de Schönberg, são dois destaques de um também amplo repertório. "Minha voz sempre seguiu uma evolução natural, ficou maior, mais escura, mas, curiosamente, sem perder a coloratura", explica, quando indagada sobre o necessário para se enfrentar peças de períodos e estilos distintos. E continua: "É preciso, acima de tudo, saber o que de melhor se pode fazer dentro de suas intenções de carreira." Suporte - Mas não é só isso. "Você precisa de apoio, alguém que acredite em você e, também, que te ajude financeiramente. Isso para não falar de uma dose saudável de ambição, esperança, e ego, muito ego." Quando Jennifer fala em apoio, refere-se também a pessoas que a ajudem a tomar decisões e sustentá-las. "Existem pressões, é claro, como em qualquer outra profissão. Mas eu não reclamo nem gosto de quem o faça. Às vezes, é preciso não levar as coisas tão a sério. Você tem um trabalho e precisa fazê-lo. Se há agentes que incomodam e te ameaçam? Claro. Mas, é o agente que trabalha para você e não o contrário. Demorei para entender isso, mas entendi." Em 16 anos de carreira, Jennifer tem uma lista invejável de gravações, desde recitais de árias ou canções até óperas completas, sendo uma das mais recentes a da ópera Carlo di Borgogna, de Pacini, importante romântico italiano obscurecido pela fama de Verdi e cia. ("Foi a primeira vez que ouvi falar nele e a gravação foi fantástica, é um grande compositor"). Em meio a uma crise - anunciada e comentada há anos - da indústria fonográfica, ela afirma simplesmente que continua gravando. "E sempre recebo alguma coisa pelo que faço, portanto alguém deve estar comprando." Ela confessa que vê com entusiasmo a idéia de gravar. "É fantástico pensar que, enquanto durar o CD, ficará registrado o modo como sua voz se comportou em um momento único, específico." Com Antoine Palloc, Jennifer já gravou dois discos com canções americanas. "Acima de tudo, somos grandes amigos. Fazemos música juntos com prazer e há entre nós uma enorme identificação artística. Juntos, enfrentamos com alegria o desafio de nunca saber o que vai acontecer - somos humanos - e, do mesmo modo que nos divertimos trabalhando juntos, também sabemos nos ajudar naqueles dias em que não se tem vontade para nada e o profissionalismo precisa falar mais alto." Jennifer Larmore. Recital da meio-soprano americana acompanhada pelo pianista Antoine Palloc. Amanhã (22), segunda e quarta, às 21 horas. De R$ 90,00 a R$ 180,00. Teatro Cultura Artística.Rua Nestor Pestana, 196, São Paulo, tel. 3258-3616. Patrocínio: Bovespa, Telefônica e Votorantin.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.