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Em novo disco de estúdio, 'Era Domingo', Zeca Baleiro fala de amor e solidão

Cantor volta a convidar vários produtores para assinar faixas

Por Adriana Del Ré
Atualização:

Era um domingo. Mais precisamente de madrugada. Zeca Baleiro voltara a seu hotel, em Fortaleza, após fazer o show Chão de Giz, com músicas de Zé Ramalho, seguido de uma confraternização. Perto dali, o barulho alto que ecoava de um bailão não deixava ninguém dormir. E, num misto de insônia e porre, Zeca começou a compor – e tirou poesia daquele momento capaz de tirar qualquer um do prumo. Na letra, o som ruidoso foi “romantizado”, como ele próprio define. “Música bela/pela janela/soava feito um blues”, traz trecho de Era Domingo, faixa que abre o novo disco de Zeca e que dá nome a ele – o compositor já iniciou turnê pelo Nordeste, se apresenta no Rio, na Fundição Progresso, no próximo dia 18, e em São Paulo, no Tom Brasil, no dia 22 de outubro.

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Extrair poesia de histórias reais ou imaginadas é um traço do cancioneiro de Zeca Baleiro. Foi assim ao longo dos últimos 19 anos – desde seu primeiro disco, Por Onde Andará Stephen Fry?. É assim agora em Era Domingo, seu 10.º álbum de inéditas. Até então, seu mais recente disco de estúdio tinha sido O Disco do Ano, de 2012. Nesse meio tempo, o cantor e compositor maranhense, radicado em São Paulo, dedicou-se a projetos especiais: dois trabalhos ao vivo, Calma Aí, Coração (2014) e Zeca Baleiro Canta Zé Ramalho – Chão de Giz (2015); o disco Café no Bule (2015), ao lado de Naná Vasconcelos e Paulo Lepetit; além da produção de Vanusa Santos Flores (2015), novo álbum da cantora Vanusa, entre outros.

Não há pressa ou pressão na rotina de Zeca. “No começo de carreira, você vai produzindo, porque tem muitas canções guardadas, quer compor e mostrar serviço. Mas, num certo tempo de carreira, essa necessidade de um disco anual não é mais urgente assim”, diz o compositor, em entrevista ao Estado. “Preciso de uma safra que justifique a gravação de um disco. Sei que é até uma coisa anacrônica nos dias de hoje, porque essa coisa da narrativa importa para pouca gente. Tenho filhos adolescentes e vejo como eles ouvem as músicas, avulsas, não tem a necessidade das 10, 11 canções que compõem um disco, o que é uma mudança de sensibilidade, de jeito de ouvir e sentir a música. Ainda prezo isso.”

Apesar da assinatura final de Zeca Baleiro, Era Domingo, o disco, conta com um trabalho coletivo nos bastidores. É que, assim como ocorreu em O Disco do Ano, ele convidou diferentes nomes para produzir as 11 faixas do trabalho. No total, são 13 produtores. “Em O Disco do Ano, essa escolha foi um pouco por logística, porque eu estava muito ocupado, com muitos projetos paralelos. Fazia algum tempo que eu não gravava, mas não queria eu encabeçar a produção, como havia feito em outros discos. Então, me surgiu essa ideia que, na hora, me pareceu genial, só que depois é um trabalho infernal, você tem de administrar a cabeça de todos”, diz. “Claro que tudo é conversado antes, o caminho que a música pode seguir, mas dou completa liberdade para o cara contaminar a minha criação. Fiz isso também por vontade de criar um novo encantamento.”

Zeca Baleiro gostou do resultado, das abordagens, das surpresas em O Disco do Ano. “Mandei as músicas em voz e violão ou voz e piano para os produtores e as recebi já com a pré-produção, aquilo foi dando um frescor novo, diferente de você estar no estúdio e ir construindo passo a passo, que é interessante, mas eu já fiz isso dezenas de vezes. Só que ali, para ser bem autocrítico, a intenção de provocar era maior do que a de fazer um bom disco. Então, acho que é um disco irregular e esse tem mais unidade, a safra de canções é melhor também.”

Aos 50 anos. Zeca Baleiro já está em turnê com o novo trabalho Foto: Gabriela Biló|Estadão

Delicado. A sensação de solidão que impregna a faixa Era Domingo, movida pelo momento solitário, na estrada, em que foi composta, ganha certo tom melancólico na melodia. Em Homem Só, o tema retorna. “Meu amor gastei em sonhos sem futuro/esperanças vãs reduzidas a pó/minha luz desperdicei e agora escuro/solidão é o que resta a um homem só”, canta Zeca, em música que tem participação da cantora Ellen Oléria. Por causa dessas canções, já perguntaram a Zeca se ele se sentia muito só. “Eu disse ‘sempre’. Só está sendo agravado, acabei de fazer 50 anos, em abril. Essa reflexão sobre envelhecer, mesmo de uma forma velada, não explícita, está ali também. E é a solidão mais da existência.”

A narrativa construída na percepção de Zeca Baleiro – que não é necessariamente a mesma de quem está ouvindo, ele acredita – perpassa outros campos, como os do amor, da esperança e também da desesperança. E da crítica à vida de aparências, em De Mentira. A canção, no entanto, não nasceu de um fato ou um episódio em específico. “Não houve um acontecimento. Eu estava em férias, saindo do mar com meu filho, e já surgiu o refrão. Acho que foi muito a partir da observação dos meus semelhantes, um modo de viver que dá muito importância para a aparência. E não deixa de ser autocrítica: quando você critica seus iguais, você faz uma crítica a seu modo de viver”, avalia.

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São canções totalmente autorais, salvo a lírica Deserta, de Zeca Baleiro e o músico congolês Lokua Kanza, e o rap Desesperança, parceria com Paulo Monarco. “Sou um compositor, mas sempre gosto de fazer releituras nos meus discos, já regravei Martinho da Vila, Luiz Gonzaga. Gosto disso, de dar uma nova identidade para a música. E, nesse disco, eu resisti à tentação, até porque eu já tinha feito um inteiro do Zé Ramalho e também porque eu tinha várias canções nesse balaio esperando a hora de serem gravadas. Quase que faço assinando por inteiro, mas tinham essas duas composições em parceria nessa lista que eu gostava muito.”

Lokua Kanza e Zeca Baleiro subiram juntos no palco no Rock in Rio, em 2011. Zeca já visitou Kanza na França. Tornaram-se amigos e parceiros de música. Quando Kanza mostrou essa composição – Deserta – para Zeca, ele já tinha o início em inglês e queria que o parceiro fizesse uma versão em português. O compositor brasileiro, então, ficou pensando em como fazer isso com poesia e sem ser literal. E “take me with you” do original virou “pegue minha mão, me leve”. “Isso deu o mote inicial para seguir, é a canção talvez mais ensolarada do disco, cheia de esperança.”

Já em Desesperança, Zeca incorporou na composição feita com Paulo Monarco, jovem compositor cuiabano, trecho do poema do maranhense Sousândrade (1833-1902). “Faltava um refrão e caiu como uma luva. O poema se chama Desesperança, que, no caso dele, é uma lamentação, do tempo de alegria da infância e da dureza da vida adulta. E assim ficou. Achei que seria charmoso colocar Sousândrade no meio daquele rap.”

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Essa nova safra de canções foi composta nos últimos três anos, justamente no intervalo entre O Disco do Ano e Era Domingo, com exceção da faixa Pequena Canção, que é mais antiga. Zeca conta que a resgatou porque queria algo um pouco mais delicado, diferentemente do que ele anda compondo nos últimos tempos. E o que teria causado isso? “Acho que tudo, vivemos tempos obscuros, agora isso está bem claro na cena política, mas acho que é um processo que já vem também de um tempo de muita intolerância, de muita convulsão social no mundo inteiro. Essa coisa dos refugiados serem rechaçados dos países, tem um apartheid social em curso aqui no Brasil muito forte, que foi trazido à tona por causa do debate – entre aspas, porque foi paupérrimo – político. Acho que a gente está vivendo uma passagem de era.” Ele teria perspectivas otimistas em relação a essa transição? “Interiores, sim, me sinto bem comigo, com a minha trajetória, mas externamente não vejo com bons olhos, não. Acho que as coisas vão piorar. Mais uma razão para a gente se fortalecer internamente, porque acho que vem um tempo aí de muita escuridão.”

Paralelamente ao novo disco, Zeca Baleiro deve estrear Baile do Baleiro, entre julho e agosto, no Canal Brasil, e está preparando um DVD com dez animações, inspiradas em seu álbum infantil Zoró (Bichos Esquisitos), para citar alguns trabalhos. “São coisas que me mantêm vivo, o tempo todo produtivo.”

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