Em CD, toda a obra de Caetano e mais um pouco

Caixa com 40 CDs reúne do primeiro ao último disco do compositor e mais três extras: o inédito Bicho Baile Show, uma compilação de singles e outra de canções conhecidas remixadas no sistema Dolby 5.1

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Caetano Veloso lançou seu primeiro elepê em 1967. O disco tinha o nome de Domingo e apresentava uma nova cantora, certa Gal Costa. De lá para cá, foram 37 títulos. O último, Eu não Peço Desculpa, foi gravado a duas vozes com Jorge Mautner e lançado no início do semestre. Esses discos, mais três extras - a gravação ao vivo e até então inédita do espetáculo Bicho Baile Show (1978), uma compilação de singles e outra de canções conhecidas remixadas no sistema Dolby 5.1, de seis canais, estão reunidos na caixa Todo Caetano, que a gravadora Universal acaba de lançar. Além dos 40 CDs, Todo Caetano traz um libreto de 62 páginas, intitulado Tantas Canções, com fotos e longo e saboroso depoimento de Caetano (ao baterista e pesquisador Charles Gavin, coordenador do projeto e responsável pela remixagem dos discos, e ao jornalista Luís Pimentel), que fala de sua infância, influências musicais e detém-se na análise de cada título. O preço sugerido (pela gravadora Universal) da caixa fica entre os R$ 900,00 e R$ 1.000,00. Fora um compacto lançado na segunda metade dos anos 60 pela RCA, Caetano teve todos os seus discos editados pela Universal (que se chamou Philips, depois PolyGram). A mesma Universal havia lançado, em novembro de 1996, outra caixa com o mesmo nome de Todo Caetano, com 30 discos, edição já esgotada. A nova oferece sobre aquela a vantagem de reproduzir, em papel (tendência internacional) as capas originais, reduzidas ao tamanho do CD, respeitados os encartes e detalhes como as tiras coloridas do histórico Barra 69, gravado ao vivo por Caetano e Gilberto Gil, no Teatro Castro Alves, em Salvador, imediatamente antes do embarque para o exílio londrino, e lançado somente em 1972. Em duas das tiras lê-se a frase "Tanto faz no sul como no norte", extraída da música Alfomega, de Gil, gravada antes por Caetano. No contexto da época, a frase ganhava conotação debochada. Despachados para outro hemisfério, eles não foram calados. Outra delícia que o papel permite é a reprodução em ponto menor da capa do disco Transa, de 1972, criada (com o nome de discobjeto) por Álvaro Guimarães: dobraduras transformam a capa num pentaedro, sólido de cinco faces, uma delas vazada. No texto do libreto, Caetano diz que foi o ator e diretor baiano Álvaro Guimarães o responsável por ele ser compositor: "Ele queria que eu fizesse músicas para uma peça de teatro que estava dirigindo, apesar de que jamais me vira tocar nem cantar. Apenas conhecia minhas opiniões sobre música popular e achava que eu devia compor." Caetano atendeu ao pedido e, depois, em 1963, fez músicas para um documentário de Álvaro sobre meninos de rua. "Influenciou também o começo da carreira de Bethânia, que queria ser atriz e ele a colocou em peça cantando, ela impressionou todo mundo e começou a cantar", narra Caetano. Mais um detalhe: os CDs reproduzem o selo dos elepês - a parte central dos discos de vinil, onde vinham nome do autor e obra e título das músicas. "Foi um achado, tomara que faça escola", disse Caetano, entusiasmado com a solução gráfica encontrada pelos designers. Raridades - Em 1977 saiu o disco "Bicho", que emplacou vários supersucessos: Um Índio, Odara, Gente, Tigresa, O Leãozinho. Surgia, na mesma época, o movimento Black Rio - e a Banda Black Rio, que tinha à frente o saxofonista Oberdam Magalhães e, ao piano, o hoje especialista em canção de amor, samba e choro Cristóvão Bastos, músico da banda fixa de Chico Buarque e Nana Caymmi. Caetano quis fazer um show com a Banda Black Rio. "Era um show para dançar e foi muito mal recebido pelo público e pela crítica", lembra Caetano. "Eu estava voltando da África, tinha tocado na Nigéria, na Costa do Marfim e via no movimento Black Rio o surgimento da "nova favela brasileira", a semente de tudo o que está aí hoje, o rap, o hip-hop; Bicho Baile Show foi um espetáculo muito à frente de seu tempo, do qual eu guardava lembranças agradáveis. Não sabia que existia registro sonoro do show, muito menos registro de boa qualidade. Quem descobriu foi o Charles Gavin." O dançante CD Bicho Baile Show traz músicas do Bicho original mais, entre outras, London, London, Alegria, Alegria, Qualquer Coisa, o frevo Chuva, Suor e Cerveja e, de Ari Barroso, Na Baixa do Sapateiro. Um tanto da cobrança que se fez na época a Caetano foi pela ausência de alusões políticas - vivia-se plena ditadura militar -, uma postura que seria, no jargão dos anos 70, alienada. Diluída a questão, é um belo trabalho. A outra raridade é Singles - coletânea de canções lançadas em compactos de 33 rotações por minuto, inédita em CD, no Brasil, lançada, antes, no Japão, compilação (gravações feitas entre 1968 e 1981) feita por Jim Nakahara. Traz uma leitura de Let It Bleed, de Mick Jagger e Keith Richards (1968), e a marchinha Yes, Nós Temos Banana, de Braguinha e Alberto Ribeiro (1968); o batucado e moderníssimo Samba da Cabeça, de Caetano (1978); a esquecida parceria de Caetano e Torquato Neto Ai de Mim, Copacabana (1968) e outra esquecida parceria, de Jards Macalé e José Carlos Capinam, Pula, Pula (Salto de Sapato) (1971) e passeia do fado (Uma Casa Portuguesa) ao samba-funk de Jorge Ben Jor (Charles, Anjo 45, gravação de 1974, e Amante Amado, 1978). Os fãs foram convocados a escolher, usando o site www.anocaetano.com.br, as músicas que seriam remixadas no sistema Dolby 5.1. Foram eleitas 20 canções, de Tropicália a Não Enche, passando por Terra, O Leãozinho, Queixa, Luz do Sol, Fora da Ordem. O sistema permite audição em seis canais, refazendo, domesticamente, para quem possua a aparelhagem de DVD, o efeito que se tem no som do cinema. As imagens, porém, são paradas. Na última parte do depoimento de Tantas Canções, Caetano Veloso elabora uma reflexão sobre a música popular brasileira e lembra a sempre mencionada comparação de sua obra com a de Chico Buarque. Diz de Chico, a quem admira, que sua ambição é a de "mexer na estrutura subjacente à criação, no ambiente que possibilita a criação". Ele mesmo prefere, em vez de "criar uma peça dentro do mundo dado, mexer nesse mundo dado". E assim tem sido.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.