E o rei caiu no rock

Quando tinha tudo para odiar os roqueiros, Gonzaga adotou uma banda de iê-iê-iê

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Por Julio Maria
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Seu Luiz nunca foi homem de guitarras. Cabelo grande e corrente no pescoço era para ele coisa de moleque afrescalhado. Talvez seu sangue sertanejo o impedisse de ver beleza naquela zoada toda e sua própria história tornasse impossível dizer que aquele coração batia sem ressentimentos quando o assunto era rock and roll. Afinal, se a bossa nova colocou sua sanfona na UTI no início dos anos 60, a Jovem Guarda chegou logo depois para desligar os aparelhos. O iê-iê-iê havia jogado água na festa - algo que só torna ainda mais incrível a história narrada pelo exuense Pedro Franco. Ainda garoto, Pedrinho tocava e cantava em uma banda de rock formada pelo pai e conhecida como Os Francos, um oásis roqueiro no pé de serra de Exu, com músicas de Jerry Adriani, Fevers, Roberto Carlos, Wanderley Cardoso e Wanderléa. O grupo era valente, mas não seguiu adiante. Até o dia em que Gonzaga, já maior do que a própria Exu, passou pela cidade e quis saber do amigo que ele só chamava de Pedin. “Cadê Pedin?” Pedrinho comia tapioca com café quando ouviu o trovão em sua porta. “Ô Maria, chame Pedin.” Pedro veio. “Pedin, cadê os menino?” “O grupo acabou, Seu Luiz.” Gonzaga ficou aperreado. Mandou seu motorista levar Pedro de Veraneio para buscar os amigos e refazer o grupo ali mesmo. Pedro foi, reuniu os músicos que conseguiu - Ednaldo Queiroz, Zé Paulo e Jarbas - e os trouxe para Gonzaga. “Agora vamos ensaiar”, ordenou Luiz. “Mas como? Não tem instrumento”, ponderou o garoto. “Então vamos comprar agora”, decidiu Seu Luiz. E partiu com Pedro para o Recife em busca das primeiras guitarras, baixos e baterias que andariam em um carro de Luiz Gonzaga. Só no Rio de Janeiro iriam encontrar o que queriam, já que em Pernambuco não havia instrumentos da marca Snake. “Achamos Giannini, mas eu não queria”, lembra Pedro. De volta a Exu de carro, parando em algumas cidades para fazer shows de forró com Gonzaga, Pedrinho passou a ensaiar com sua banda de rock batizada agora de LG Som, com as iniciais do patrocinador, nas dependências do Parque Asa Branca. Seu Luiz deixou os meninos com uma estrutura de grupo profissional. Cozinheira, lavadeira, motorista, tudo estava a seu dispor. Havia um preço a pagar por aquele sonho todo. Seu Luiz era um homem difícil, portador de um mal que o povo da roça chama de calundu e o da cidade grande gosta de enfeitar classificando como transtorno bipolar. O dia em que Gonzaga acordava de cara amarrava, era o bicho. “Se a gente desse bom dia pra ele antes dele dar bom dia pra gente, ele gritava logo: ‘Ah, vá tomar no c... rapaz. E eu falei com você hoje?’” Era o começo de um longo dia. Não havia muita paciência também para pedintes de esmola. “Vá trabalhar rapaz.” E horário, assim como palavra de sertanejo, era um só. Se o marcado era 10 h, não era nem 10h01 nem 9h59. Assim que o LG Som acabou, depois que um dos integrantes teve de se submeter a um tratamento de saúde, Gonzaga recrutou Pedrinho para ser seu zabumbeiro. E a briga mais feia que tiveram foi por desajustes com os ponteiros. Pedrinho não desceu do quarto para a saída de Caratinga e Gonzaga o deixou lá mesmo, com o dinheiro da passagem na recepção. Mas, afinal, o que teria feito Gonzaga investir em uma banda de rock nas terras do Exu? Pedrinho tenta uma alternativa: “Acho que ele fez isso por dó, por pena de ver a gente tocando sem nada. Ah, como eu gostava daquele velho”.

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