Disco e show 'Acorda Amor' reúnem cantoras da geração contemporânea

Liniker, Luedji Luna, Maria Gadú, Letrux e Xênia França participam do projeto

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Por Renato Vieira
Atualização:

Assim como o Brasil nos últimos tempos, o show Acorda Amor passou por mutações desde que estreou, em fevereiro de 2018, no teatro do Sesc Pompeia. Inicialmente, o projeto foi pensado pela unidade como um baile de carnaval, mas os diretores artísticos convidados pelo Sesc acharam que não havia clima para festa no meio da polarização política. Em outubro daquele ano, o show foi apresentado no Rio de Janeiro, às vésperas de eleições presidenciais, com algumas mudanças no roteiro. Outra transformação ocorre agora, com o lançamento de Acorda Amor em álbum pelo Selo Sesc. 

Liniker, Luedji Luna, Maria Gadú, Letrux e Xênia França Foto: Pablo Saborido

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O show manifesto, que conta com Liniker, Luedji Luna, Letrux, Maria Gadú e Xênia França, volta ao palco do teatro do Sesc Pompeia de hoje a domingo – os ingressos já estão esgotados. Roberta Martinelli, apresentadora do programa Som a Pino, da Rádio Eldorado, e do Cultura Livre, na TV Cultura, assina a direção artística do projeto ao lado de Décio 7, integrante do grupo Bixiga 70. Ela conta que o disco, feito em estúdio, não estava nos planos quando Acorda Amor estreou. Havia a questão de dificuldade de agenda das cinco cantoras. “As músicas eram importantes para o momento que a gente estava vivendo, na voz de cinco cantoras que representam uma geração”, ressalta.

Letícia Novaes, a Letrux, afirma que foi se apaixonando cada vez mais pelo projeto. “No início eu pensei que seria um oba-oba maravilhoso. Ao longo das apresentações, vi que era algo muito forte e potente, com cinco cantoras fazendo e acontecendo. Achei que merecia ser registrado.”

O nome do show faz referência a uma música que Chico Buarque fez em 1974 para o disco Sinal Fechado, sobre a repressão policial da ditadura militar, com o refrão “chame o ladrão”. Para despistar a censura vigente, ele assinou a música como uma parceria dos irmãos Julinho da Adelaide e Leonel Paiva, que nunca existiram. Acorda Amor reúne canções políticas e afirmativas, sem deixar de lado o amor, de várias gerações da música brasileira.

Enquanto escolhiam as músicas, Roberta e Décio trocavam ideias com as intérpretes, que também contribuíram com o repertório. Letrux queria muito cantar Cinco Bombas Atômicas, de Jorge Mautner e Nelson Jacobina. A ideia foi acatada pelos diretores artísticos, que sugeriram para a cantora a alegre Saúde, grande sucesso de Rita Lee, e Sujeito de Sorte, composição de Belchior com uma das frases mais marcantes do artista: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

Gente Aberta, clássico da fase hippie de Erasmo Carlos também assinado pelo ‘amigo de fé’ Roberto Carlos, abre o disco com as cinco artistas cantando juntas. A canção afirma que “gente certa é gente aberta”. 

As intérpretes também se unem em Cansaço, de Douglas Germano, que representa em Acorda Amor a produção nacional recente, assim como Triste, Louca ou Má, do grupo Francisco, El Hombre, gravada por Gadú, que colocou voz em O Quereres, de Caetano Veloso, e Nuvem Cigana, lançada por Milton Nascimento.

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Boa parte das músicas de Acorda Amor é dos anos 1970. Xênia, por exemplo, canta composições de três artistas que incomodaram a ditadura. Gonzaguinha, um dos mais visados pela censura, é lembrado com Comportamento Geral, recentemente regravada por Elza Soares e Ney Matogrosso. Leci Brandão, que falou sobre homossexualidade de forma clara em suas letras, é autora de Assumindo. E a dupla Ivan Lins/Ronaldo Monteiro de Souza escreveu Deixa Eu Dizer.

Liniker canta duas pepitas da música negra brasileira, A Vida Em Seus Métodos Diz Calma, de Di Melo, e Não Adianta, gravada pelo Trio Mocotó, além de Chorando Pela Natureza. O samba lançado por Beth Carvalho ganha contornos eletrônicos com MPCs, misto de bateria digital e sampler, e teclados.

A representação das religiões afro-brasileiras está presente nas músicas que Luedji canta. Obaluayê vem de disco da Orquestra Afro-Brasileira, dirigida pelo maestro Abigail Moura, e Conflito é do repertório do Conjunto Baluartes, formado pelos melhores percussionistas do Brasil. Luedji também releu Extra, de Gilberto Gil, que entrou no lugar de Andar Com Fé, outro clássico do baiano. O álbum se encerra com um poema do rapper Edgar, Sem Preguiça Pra Fazer Revolução.

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Quando show estreou, Roberta lia no início uma poesia de Arnaldo Antunes, Kaira, sobre o poder da música. “Quando fizemos o show no Rio, a situação do País tinha piorado e achei que o poema soava quase ingênuo. Trocamos por outro poema dele sobre o mestre Moa do Katendê, que foi assassinado. Na gravação do disco, pensei que a coisa estava ainda pior e fui pesquisar outro”. Décio chamou Edgar, que enviou o poema pelo WhatsApp. O arquivo de áudio entrou no disco, com algumas intervenções feitas por Roberta em estúdio.

Os shows deste fim de semana têm diferenças em relação aos que ocorreram no Sesc Pompeia há dois anos. As cordas e sopros que foram incorporados ao disco vão para o palco. Acorda Amor continua em mutação.

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