Dante Ozzetti lança CD "Ultrapássaro"

Disco que o compositor ganhou direito de gravar após vencer, no ano passado, a 3ª edição do Prêmio Visa de MPB, é tradução exata da metrópole paulistana

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Por Agencia Estado
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O público achava que o festival de música promovido pela Globo, no ano passado, seria vencido pela música Vão, assinada - melodia e palavras - por Dante Ozzetti. Trazia versos fortes, aliterados, de interpretação complexa: "Toda falha faz que não vença/ Toda fenda tem a forma tensa/ Toda fresta vai ficando imensa/ Toda brecha espera quem preencha" - uma canção de ritmo híbrido, um pouco de baião contaminado pelo samba, filtrado na toada que habita a alma de toda canção paulistana. Vão é uma das músicas de Ultrapássaro, o disco que Dante ganhou o direito de gravar após vencer, no ano passado a edição dedicada aos compositores do Prêmio Visa de MPB. No disco, quem canta é Virgínia Rosa, com coro a cargo do sexteto feminino Vésper, violão do autor, trombone com sotaque de gafieira de Cacique Cantareira, percussões de Caíto Marcondes e Guilherme Kastrup, baixo de Geraldinho Vieira e violão de aço de Kiko Moura. Esse trombone com sotaque de gafieira é um elemento a mais do híbrido de Dante Ozzetti, certamente o compositor que melhor incorpora e traduz musicalmente a Babel paulistana. Dante não tem reservas de gênero. Seu disco é sóbrio - reflete sua personalidade delicada e um tanto tímida - mas é pop, rigorosamente contemporâneo. Acumula o que a cidade acumula: o choro, a balada (uma palavra fora de moda, mas ainda definidora daquele tipo de canção amorosa, não importa se valsa ou beguine) o choro, a moda de viola (um violão de cordas de aço ponteia como viola caipira sob o pulso pop de Ultrapássaro, a música de abertura, que tem letra de José Miguel Wisnik). Mas se o choro é apaixonado, é também áspero - ouça-se Dentro e Fora (letra de Luiz Tatit). A alma sentimental está ali exposta, nua e crua, mas, por exibir-se, não deixa de se examinar. Dante Ozzetti propõe ao ouvinte não a contemplação - o afago da primeira emoção, o casulo da dor amorosa -, mas o diálogo sobre a emoção, o exame da dor, das causas da dor. Dito assim, pode parecer que nada acontece porque tem de acontecer, mas porque foi decidido que aconteceria - não é verdade. Acontece que, como cantor das gentes (das alegrias, da inteligência, das dores, das ansiedades) de sua cidade, Dante as reflete, retrata. Se existe uma música paulistana, é a que ele faz. Alguém já teorizou o acúmulo de identidades regionais que São Paulo abriga; e sobre a perda dessas identidades, o desenraizamento. Dante Ozzetti propõe, numa obra urbana, sofisticada, moderna e brasileiríssima, uma voz musical para a urbe: todos os sotaques estão contidos em sua música; nenhum deles se anula; todos são identificáveis; todos trabalham para a construção de um coloquial, de um traçado melódico, para a formulação da identidade que é todas e única. Este terá sido o objetivo da obra de outros autores daqui, em tempos diversos. Ninguém cristalizou, deu forma ao objetivo, antes de Dante Ozzetti que, com Ultrapássaro, revela-se - ou confirma-se como - um dos grandes autores da música popular contemporânea brasileira. É um disco primoroso, magnificamente arranjado pelo titular, que conta com as vozes já citadas mais a de Ná Ozzetti e a do próprio Dante, que finalmente, ainda bem, resolveu cantar.

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