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‘Crucificados pelo Sistema’ é relançado pelo Ratos de Porão

Primeiro disco punk lançado na América Latina ganha edição comemorativa pela HBB Records

Por Alexandre Bazzan e
Atualização:

O punk paulista tem alguns marcos em sua história: a compilação Grito Suburbano, em 1982, com as bandas Cólera, Inocentes e Olho Seco, é a primeira gravação do gênero e inicia os registros musicais. O Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia, idealizado por Antônio Bivar e Antônio Carlos Calegari, é o primeiro grande festival e caracteriza a amplificação do movimento, mas também o aumento das brigas entre gangues e de uma cobertura midiática sensacionalista dos jovens que andavam de coturno e cabelo espetado. Crucificados pelo Sistema (1984), do Ratos de Porão, é o primeiro disco inteiro de uma única banda – antes dele, havia apenas compilações e compactos – mas também coincide com o final desta primeira fase do movimento.

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“Quando o disco foi lançado, já não havia mais movimento punk. Acabou em briga, as bandas acabaram, outras ficaram mais pop. Até eu saí do Ratos”, diz João Gordo, vocalista da banda. Eles ainda procuravam uma identidade no começo da carreira. A mistura de influências do punk americano e europeu e um pedal de distorção deram a sonoridade para músicas que já eram ensaiadas constantemente. Na hora de gravar, o produtor Fábio Sampaio avisa que os custos para um compacto ou LP seriam os mesmos. E foi assim que surgiu o primeiro álbum punk da América Latina.

O som já se aproximava do hardcore, o que alienou muitos dos puristas da época. “Aquele pé de galinha na capa, a gente começou a ser chamado de traidor ali”, explica João, fazendo referência à bandeira pelo desarmamento nuclear adotado como símbolo pacifista dos hippies nos anos 1960, e que era parte da arte do disco.

Desde então, a banda anda em uma linha fina entre a idolatria e a acusação. Uma pesquisa rápida na internet é suficiente para encontrar versões das mais diversas e esquisitas de Crucificados pelo Sistema. A mais famosa delas é do Sepultura, mas até artistas japoneses aparecem fazendo covers em português. O disco, com tiragem de 600 cópias e sub-apreciado na época, chega a custar R$ 3 mil em sites de venda de vinis.

“Esse disco era para ser lançado em 2014, mas, como as coisas demoram, está saindo agora. É um disco comemorativo de 30 anos. É o Crucificados, só que em uma capa luxuosa, preta e em alto relevo… cheia de frescura e de brinde vem esse compacto que foi o show no Napalm.”

O compacto é também o registro de um dos poucos shows da formação clássica e o fim de uma era. Alguns dos punks trabalhavam na casa noturna do centro de São Paulo, que, para compensar o baixo salário, prometia palco aberto a eles um domingo por mês. O mesmo Fábio Sampaio, que bancou Crucificados pelo Sistema, gravou a apresentação do Ratos de Porão, pouco antes de entrar em estúdio, e dos Inocentes, já sem Ariel Uliana e com Clemente nos vocais.

Hoje, o Ratos de Porão é uma das bandas nacionais mais reconhecidas lá fora, mas quem quiser ouvir o som dos caras ao vivo provavelmente terá que viajar para São Paulo. “A gente é uma banda que mora longe e eu não tenho o mesmo vigor. De uns tempos para cá começou o negócio de ser banda grande, mas eu já estou cansado para fazer turnê longa”, diz João Gordo. Sorte dos paulistas.

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Ratos de Porão comemora 35 anos de carreira e faz show em São Paulo

Por Tiago Queiroz

Era a antevéspera de feriado na cidade, o aniversário de São Paulo, e o primeiro show da banda Ratos de Porão em 2016.

O caminho do centro da cidade para o local do show, o CEU Aricanduva era longo, calmo e sem trânsito. Remetia para bairros periféricos da cidade, como a Vila Piauí, berço do Ratos, fundado em 1981.

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Chegando ao colégio, a cena de uma grande fila, banhada por uma linda luz de final de tarde. O público, apesar da idade da banda, era constituído em sua maioria por jovens. Garotos punks ao lado de outros com visual metaleiro lado a lado, convivendo pacificamente. Uma cena inimaginável na década de 1980 e boa parte dos anos 1990, onde existiam violentas rixas entre os dois grupos.

Do lado de dentro, no pequeno camarim atrás do auditório, João Gordo, o vocalista e Jão, o guitarrista, jogavam conversa fora. Boka e Juninho, o baterista e o baixista, faziam as últimas afinações em seus instrumentos no palco. Em um canto um potente e surrado amplificador Marshall, cheio de lascas em sua madeira e antigos adesivos de turnês e bandas colados em sua carcaça. O que diria esse velho combatente se pudesse contar um pouco do que presenciou ao longo dessas três décadas de barulheira musical?

Juninho e Boka entram no camarim, Juninho procura um pouco de água de coco para beber. Inútil, o líquido tinha acabado. "Toma um pouco da água do capitalismo", dispara João Gordo, com seu humor corrosivo, sugerindo Coca Cola. Juninho sorri e começa a se aquecer, fazendo alongamentos nos braços e pernas. 

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A cortina se abre e o show inicia furioso, o pequeno espaço entre as cadeiras e o palco é logo tomado por uma turba ensandecida. Quem não conhece uma apresentação de punk rock com certeza iria se assustar com a cena. Logo o palco começa a ser ocupado por gente disposta a saltar ou simplesmente estar mais perto dos músicos. Uma praga que aflige tanto shows mais "intimistas", como esse, quanto de estádio, dá logo as caras na primeira música. Os celulares são sacados para os selfies e mesmo na roda dos mais exaltados havia quem registrasse tudo com seu aparelho. Sinais dos tempos de um "Século Sinistro", parodiando o nome do último disco da banda, lançado em meio aos meses conturbados de manifestações de 2013.

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E a violência do show ficava só na aparência mesmo, era nítida a alegria daquelas pessoas de participar daquela "comunhão" e na lateral do palco um jovem carregava seu filho, um pequeno de três ou quatro anos, que brincava alheio próximo ao baixista Juninho, enquanto o pai assistia extasiado a apresentação.

No meio do show, o guitarrista Jão, fundador e mais antigo membro da banda, para para afinar sua Fernandez amarela. Cigarro no canto da boca, um contra luz emoldurando a cena, João Carlos Molina Esteves. Para os apreciadores do estilo é uma lenda. Nunca quis ser mais do que é, um guitarrista de punk rock. Fazedor de riffs poderosos, que se mantém atuais ao longo dos anos. Logo após essa cena, a banda ainda iria tocar os clássicos Beber até Morrer e Aids, Pop e Repressão, obrigatórias em todo show da banda.

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