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Crítica: Ótimos concertos marcam as celebrações dos 20 anos da Sala São Paulo

Robert Schumann foi o ponto mais alto no recital de Nelson Freire da última segunda, 8, que abriu a semana de comemorações dos 20 anos da Sala São Paulo

Por João Marcos Coelho
Atualização:

Raras vezes a dor e o fogo da paixão foram tão genialmente transformados em música quanto na “Fantasia” de Robert Schumann, o ponto mais alto no recital de Nelson Freire da última segunda, 8, que abriu a semana de comemorações dos 20 anos da Sala São Paulo. Em suas mãos, o piano soa sempre aveludado, mesmo ao “gritar” de dor ou amor, caso dessa obra-prima que Schumann compôs movido pela distância de sua amada Clara, em 1836. Dos pianíssimos aos fortíssimos, Nelson construiu tantas gradações que a cada nova frase, a cada novo tema, nossos ouvidos comungavam da intensidade expressiva de nosso maior pianista. Pena que, mais de 15 minutos depois de iniciado o concerto, mais de 10 pessoas ainda perambulavam pela Sala em busca de um lugar; a porta do fundo abriu e fechou várias vezes, estrepitosamente. Impossível manter a concentração que a performance exigia. 

Na segunda parte, o improviso n.º 2 op. 36, duas mazurcas, o noturno n.º 19, a polonaise n.º 1 op. 26 e a Barcarola op. 60 foram felizmente tocadas sem interrupção de aplausos, o que fez o público mergulhar no intimismo do piano cantante de Chopin (não por acaso, ele pedia aos seus alunos de piano que estudassem canto). Se fosse obrigatório escolher uma interpretação, ficaria com a Barcarola, um flutuar constante de notas cristais quebrando o silêncio que leva o pobre crítico a tecer arremedos poéticos para tentar definir a genialidade de Nelson.

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Foto: Mariana Garcia

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Doze horas depois, terça, 9, de manhã, Sala de novo apinhada. Osesp a postos para um programa marcando a estreia do novo regente titular e diretor musical Thierry Fischer. No cardápio, a Quinta de Beethoven e quatro músicas escolhidas previamente pelo público no site da orquestra. Fischer é um maestro competente, cirúrgico e muito claro em suas indicações aos músicos, mas sem ser espalhafatoso como um Guerrero, por exemplo. Uma ligeira aceleração nos tempos dos quatro movimentos concedeu ainda mais dinamismo a uma música que em si já é nitroglicerina pura. Os músicos responderam com veemência e talento. 

Beethoven, por sinal, também marcou um experimento da BBC no início da era do download digital: ela colocou online suas nove sinfonias para download gratuito por um período. O resultado sinucou os “especialistas” do mundo erudito: a Eroica, a Quinta, a Sexta e até a Nona perderam para as duas primeiras sinfonias. Ou seja, o público de concertos é muito mais básico do que supõem os dirigentes musicais. As quatro mais votadas confirmaram isso: o prelúdio das Bachianas n.º 4 de Villa-Lobos; a Valsa das Flores de Tchaikovski; o Adagietto da Quinta de Mahler; e a Cavalgada das Valquírias de Wagner. Furor público ao final de cada uma delas. Villa foi também o bis de aniversário, com o Trenzinho do Caipira.

O prelúdio das Bachianas 4, para cordas, levou-me de volta a 1996, quando o corpo do maestro Eleazar de Carvalho, construtor desta orquestra, era velado no palco do Teatro Municipal de São Paulo: seus músicos tocaram esse prelúdio para ele. Mahler, Wagner e o Villa final me remeteram a John Neschling, o único idealizador desta Osesp e da Sala São Paulo, com determinação férrea – e nos legou tudo isso de que desfrutamos atualmente. Obrigado a ambos, Eleazar e Neschling, infelizmente pouquíssimo lembrados neste vigésimo aniversário da Sala.

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