É óbvio, demorou, mas finalmente aconteceu. Depois de uma década fazendo encomendas a compositores de outras paragens ou coencomendas com orquestras europeias ou norte-americanas, parece que a ficha finalmente caiu na Osesp. Ela juntou-se à Orquestra Petrobrás e às filarmônicas de Minas Gerais e Goiás para uma encomenda conjunta ao compositor pernambucano Marlos Nobre em seus 80 anos. E para uma obra consistente.
Longe, bem longe das encomendas habituais a brasileiros, de pecinhas entre 9 e 12 minutos ensanduichadas nos concertos para mitigar a má consciência. Importante: vai ser tocado quatro vezes pelas demais orquestras copatrocinadoras. Pela primeira vez uma encomenda não é condenada a ganhar vida apenas na estreia, na última quinta-feira, dia 1.º, na Sala São Paulo.
Vamos ao concerto, seu opus 127. Em três movimentos, tem no movimento central, Estático, molto lento, seu momento mais impactante: uma bela cantilena que arrebata os ouvidos. O Con fuoco inicial é rítmico, ríspido, conduzido por um tema viril a cargo do violoncelo, que é confrontado pelos demais naipes, e às vezes submerso no tecido orquestral. Foi o mais longo e mais típico da escrita de Nobre. O finale, Vivo, conclui em clima festivo.
A obra, embora consistente, sintetiza tendência clara retrô no percurso do compositor: há um abismo entre Rhytmetron, de 1968, ouvida na mesma Sala São Paulo há dez dias, e esse concerto. A música da maturidade plena de Marlos é palatável a públicos mais amplos.
Antonio Meneses, de seu lado, curte estado de graça em seus 61 anos: sabe tudo do instrumento, mas não se esgota no virtuosismo; ao contrário, contagia o público com sua musicalidade exemplar. No extra, a dança da deliciosamente nordestina Suíte Macambira, de Clóvis Pereira, dedicada ao violoncelista.
Vale a pena assistir ao concerto de Nobre neste sábado, 3, e domingo, 4; ao recital solo de Meneses, com a Suíte Macambira na íntegra e peças de Bach, Cassadó e Almeida Prado.
O gesto das quatro orquestras pode representar uma virada. Daqui para a frente, encomendas conjuntas para obras sinfônicas mais encorpadas devem seguir esse formato. Teatros de ópera do Brasil mirem-se nesse exemplo: não faz sentido que as montagens não circulem pelos principais centros líricos do País.
Mas o concerto apresentou outras duas obras. A primeira, a saborosa abertura Rosamunde, leva-nos a imaginar o que Schubert não faria se tivesse desfrutado de condições mínimas para testar-se na ópera.
A segunda foi um erro de programação: para que escalar a gongórica Sinfonia n.º 12, que Shostakovich compôs em 1961 só para barganhar junto aos detentores do poder soviético o direito de tirar do ineditismo sua quarta sinfonia, de 1936, esta sim extraordinária?