Copa Fest, em clima de samba-jazz dos anos 60

Com excelentes shows e grandes instrumentistas, festival relembra tempos do Beco das Garrafas

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Por Redação
Atualização:

Lauro Lisboa Garcia, de O Estado de S. Paulo

 

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RIO - Copacabana Palace, Golden Room, início dos anos 1960. Foi naquele salão, no mesmo piano Steinway, o qual ainda reina em mãos habilidosas, que Cesar Camargo Mariano iniciou a carreira profissional pra valer no Rio, pela primeira vez fora de São Paulo, dos bares e das boates, acompanhando "um grande artista", Lennie Dale (1934-1994). Décadas depois, ele relembrou comovido aqueles momentos, no sábado, ao pisar pela segunda vez o mesmo palco e tocar as mesmas teclas. Foi um dos momentos mais emocionantes dos seis ótimos shows apresentados na segunda edição do Copa Fest, festival de sofisticada música instrumental brasileira, que dá um flash-back aos tempos em que os trios agitavam a noite do vizinho Beco das Garrafas, com seu misto de jazz e samba, cheio de bossa.

 

Na antessala (lounge) do Golden Room, equipada com bar, sofás e decorada com aparelhos de rádios antigos, o pessoal do Vinil É Arte, de Minas, recebia o público tocando um ótimo repertório instrumental (como Zimbo Trio, Walter Wanderley e afins), preparando o clima para os shows, com a elegância que o lugar inspira.

 

Cesar fez o terceiro e último show da melhor noite do festival, que teve dois pianistas e um guitarrista, Chico Pinheiro, primeira atração, e esquentou com o Jet Samba, de Marcos Valle. Único expoente da nova geração, Pinheiro estava perfeitamente adequado ao espírito da coisa, tocando sua expressiva guitarra ao lado de um trio de jovens feras: Fábio Torres (piano), Edu Ribeiro (bateria) e Marcelo Mariano (baixo), filho de Cesar, que depois voltou para tocar com o pai.

 

Além de temas próprios, como Tempestade (parceria com Chico César) e Tema em 3, Chico mandou bem em temas de Dorival Caymmi (Requebre Que Eu Dou um Doce), Moacir Santos (Nanã) e João Donato (Café com Pão), confirmando o que já se sabia: é um arranjador muito criativo e imprevisível, cheio de surpresas prazerosas. "É muito raro ter um evento de música instrumental no Brasil", apontou Chico. "Às vezes a gente não tem lugar bacana pra se apresentar. Tocar num lugar desse para um público desse é uma dádiva", acrescentou.

 

Depois dele, Marcos Valle deu um banho de suingue e animação no caloroso show Jet Samba, que tanto vem impressionando o público de jazz no exterior. Acompanhado de Mazinho Ventura (baixo), Renato Franco (sax e flauta), Renato Massa (bateria) e o incrível José Sadock (trompete e flugelhorn), ele tocou mais piano elétrico do que acústico. De cara, interpretou o marcante tema da primeira versão da novela Selva de Pedra (1972). Azimuth, sua primeira composição para TV, levantou a plateia mais ao fim do show.

 

Valle mesclou com maestria temas do novo trabalho e outras composições clássicas de seu cancioneiro, como Preciso Aprender a Ser Só, Samba de Verão e Um Novo Tempo (Hoje É Um Novo Dia), aquele jingle de fim de ano composto em parceria com Nelson Motta em 1971, que a TV Globo vem tocando todo dezembro nesses quase 40 anos. "Este lugar é sensacional, aqui tem um charme, uma mágica", disse o músico.

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Samba de Verão ele nunca tinha tocado no formato só instrumental e fez um arranjo especial para o festival. Adams Hotel e Lost in Tokyo Subway vieram acompanhadas de histórias engraçadas sobre sua origem. Bar Inglês é um sacudido jazz-funk do novo CD, que fez a plateia se mexer nas cadeiras. Brasil x México é uma brincadeira mesclando ritmos dos dois países, com o trompete quente de Sadock evidenciando a latinidade mariachi.

 

Intimismo. Em momentos intimistas como Preciso Aprender a Ser Só (que Valle tocou ao piano acústico), um dos pontos altos do show, um ronco constante no sistema de som chegava a incomodar. Mas, no mais, como lembrou Chico Pinheiro, o público de música instrumental é respeitoso e exigiu silêncio até dos garçons para ouvir a impecável abertura de Cesar Mariano, sozinho ao piano. Era a senha para o rio de refinadas emoções que se seguiria, ao lado do baterista Julinho Moreira e Marcelo Mariano (contrabaixo).

 

"Esta sala, este bairro, essa rua aqui atrás têm muita história", frisou Cesar, lembrando que no período auge da bossa nova se tocava muito com piano, baixo e bateria. Por isso, resolveu fazer o show com essa formação instrumental. Para lembrar os bons tempos do Beco das Garrafas, tocou Eu Só Posso Assim (Marcos Vasconcellos/ Pingarrilho) e Olhou Para Mim (Ed Lincoln/ Silvio César), homenageou Sabá (Sebastião Oliveira da Paz) e Johnny Alf em O Que É Amar. Lembrou a influência que exerceu sobre ele a música do filme The Sandpiper (Adeus às Ilusões), ao tocar The Shadow of Your Smile (Johnny Mandel), suingou no samba-jazz na intrincada Bala Com Bala (João Bosco/ Aldir Blanc), que ele próprio arranjou para Elis Regina gravar.

 

O Copa Fest é daqueles festivais que parecem pequenos, mas resultam grandes. Se para os mais velhos faz relembrar o movimento do Beco das Garrafas, para os mais jovens remete às boas noites do saudoso Free Jazz Festival. Ou clubes de jazz como Blue Note (NY) e Ronnie Scott (Londres), onde só rola boa música. Shows como esses são dignos dos melhores festivais internacionais.

 

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Na sexta, Zé Luis, que tem o saxofone como principal instrumento, abriu o evento comandando a surpreendente Banda Magnética formada por jovens e talentosos instrumentistas. Como Osmar Milito, eles também tocaram na primeira edição do Copa Fest, em agosto de 2009. Pedro Martins (guitarra) e Filipe Moura (trompete), dois destaques da big band, têm respectivamente 16 e 15 anos. Carismático e excelente músico, Zé tocou temas próprios com a banda e rearranjou composições de Moacir Santos (Nanã), Chico Buarque (Olhos nos Olhos), Cartola (O Mundo É Um Moinho), Jorge Ben (Mas Que Nada), Sergio Mendes (Noa Noa), Milton Nascimento (Nada Será Como Antes), Caetano Veloso (Odara).

 

A banda também tocou um Tom Jobim menos óbvio (Captain Bacardi), João Bosco e Aldir Blanc (Bala com Bala) e fundiu João Donato (A Rã) com Luiz Melodia (Congênito), promovendo uma suingueira irresistível.

 

Bom de bico. Hermeto Pascoal veio em seguida, com seu free jazz nas mãos das feras Itiberê Zwarg (baixo), Vinicius Dorin (sax), André Marques (piano), Marcio Bahia (bateria) e Fábio Pascoal (percussão), além de Aline Moreira usando a voz como instrumento. Imprevisível, Hermeto interagiu com a plateia, tocando chaleira e instrumentos convencionais (como teclado e escaleta) pulando e regendo os músicos como se estivesse brincando: experimental e lúdico.

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Há sete anos sem tocar no Rio, misturou temas como Cidade Maravilhosa, Garota de Ipanema e Águas de Março, improvisou, de forma divertida, uma letra canto-falada em homenagem a Copacabana, e no fim recebeu a Orquestra Família de Itiberê e toda a banda desceu do palco pra fazer trenzinho no meio do público.

 

O pianista Osmar Milito, ícone dos primórdios da bossa nova, é convidado de honra do Copa Fest e, segundo o curador Bernardo Vilhena, vai encerrar todas as edições. No domingo, "brincando de saudosismo", ele emocionou o público recriando temas de Tom Jobim ("ele faz tanta falta"), Miles Davis, Luiz Eça ("todo mundo aprendeu um pouquinho com ele"), Gershwin, Durval Ferreira (numa versão incendiária de Estamos Aí).

 

Foi mais uma sessão suingada de samba-jazz com um trio, começando com um suave arranjo para Luiza (Tom Jobim), e como Cesar Mariano, foi crescendo com a atuação empolgada de Rafael Barata, dando banho de ritmo na bateria, e Augusto Mattoso, no contrabaixo acústico.

 

Um desfecho de luxo para o festival que destacou e lembrou de músicos e arranjadores "que deixaram uma semente para a música brasileira", como disse Milito, e cuja tradição de excelência seguidores como Chico Pinheiro e os garotos da Magnética mantêm viva. A próxima edição está prevista para outubro e deve vir para São Paulo, provavelmente no Bourbon Street Music Club.

 

O repórter viajou a convite da produção do evento

 

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