Composição de Rogério Duprat, perdida e depois reconstituída, estreia em SP

‘Antinomies I’ é obra-chave da vanguarda brasileira; concerto foi triunfo histórico

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Por João Marcos Coelho  
Atualização:

Rogério Duprat (1932-2006) foi, do grupo que assinou o Manifesto Música Nova, em 1963, o que realizou de modo mais completo seus objetivos: “Compromisso total com o mundo contemporâneo” e “arte coletiva por excelência, já na produção, já no consumo”. Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Júlio Medaglia e Damiano Cozzella flertaram erraticamente com o consumo. Nenhum, entretanto, teve a permanência, brilho e originalidade de Rogério. 

Uma versão da composição de Duprat foi gravada em estúdio Foto: Paulo Pinto/Estadão

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Que ele foi “a” cabeça pensante por trás do antológico Tropicália, de 1968, todo mundo sabe. Sabia-se ainda que Rogério assinou essa densa Antinomies I em 1962, um ano antes do Manifesto, composta na Europa sob o impacto de ter frequentado o curso de Darmstadt, QG da “neue musik”, como dizia Gilberto Mendes. Mas ninguém a tinha ouvido, porque ela se perdeu num metrô de Berlim. 

Em 1966, Rogério a reconstituiu, mas essa peça-chave – hoje percebemos – amplia consideravelmente o conhecimento do roteiro da vanguarda brasileira dos anos 1960. Sua estreia mundial aconteceu na sexta, 2 de junho, no Auditório Ibirapuera. Resultado precioso de um duplo trabalho de ourivesaria: do pesquisador Ricardo Stuani, que localizou a peça; e de Itamar Vidal, que arregimentou um grupo seletíssimo de músicos. 

Treze músicos, sem regente, num extraordinário coletivo construído a partir de esferas – sim, a partitura são 32 esferas –, ora convergindo, ora se despedaçando no fluxo inconsciente do improviso coletivo. Um triunfo histórico, obtido graças a meses de ensaio. A boa notícia é que eles gravaram em estúdio uma versão de Antinomies I (cada execução é diferente, por causa do acaso), que deve ficar disponível no site do Itaú Cultural.

O Manifesto de 1963 nasceu não das aulas oficiais de Boulez, Stockhausen e Pousseur, mas dos bate-papos com Frank Zappa e das novidades de John Cage. Eles foram apresentados ao “caos” na música: “Vi que Darmstadt (...) estava de repente envelhecida. Porque dentro da música de vanguarda, havia a tradição e a coisa nova. A coisa nova era basicamente isso, o caos” (Duprat, 2002). 

Antinomies I não chega a 30 minutos. Duas das três inclusões no concerto foram adequadas: a abertura, para piano e percussão, de Duprat para o filme Noite Vazia, de Walter Hugo Khoury, de 1964, com projeção e os ótimos Lidia Bazarian e Ricado Bologna (ele assinou 40 trilhas para o cinema); e, Eric Dolphy Memorial Barbecue, do bruxo Zappa que tanto chocou os brasileirinhos em Darmstadt em 1962, com direito a um belíssimo improviso de Mané Silveira no sax.

A ideia de mostrar um dos melhores arranjos de Rogério para o disco Tropicalia ou Panis et Circencis era boa... só até o desafinadíssimo trio vocal dar saudade da afinação dos Mutantes na lendária gravação de 1967. Sofrimento duplo: este também foi o bis. 

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