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Como a Sinfônica Heliópolis e o Instituto Baccarelli se uniram contra a pandemia

Jovens músicos estudam seus instrumentos à distância enquanto auxiliam a comunidade

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Francismar Silva, de 24 anos, tem gravado vídeos e enviado a seus professores. Mas confessa ainda se incomodar um pouco com a qualidade do som da viola. “A gente aprende a fazer música ao vivo, não está preparado para isso, não tem o aparato técnico adequado, então fica tudo um pouco distorcido”, ele explica, contando que tem aproveitado o tempo extra para realizar vontades antigas, como aprender árabe e filosofia.

Alunos do Instituto Baccarelli e da Sinfônica Heliópolis Foto: Priscila Corderi

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Kleicy Morais, de 21, sente falta das aulas presenciais, que a ajudam a dar um norte, uma orientação clara para o estudo, ela conta. “Mas a diferença é que a cabeça agora está focada só nisso, mais no lugar, o que torna o trabalho mais proveitoso.”

Para Maryana Cavalcanti, de 28, o desafio foi outro. Professora de percussão, precisou resolver o problema de que nem todo mundo tem os instrumentos em casa. E a solução foi improvisar com os objetos que estivessem disponíveis à mão.

A professora de percussãoMaryana Cavalcanti Foto: Maryana Cavalcanti

Franciscmar, Kleicy e Maryana são membros da Orquestra Sinfônica Heliópolis, grupo do Instituto Baccarelli, projeto de formação musical e inclusão social que atende cerca de mil alunos na comunidade de Heliópolis – e que suspendeu todas as suas atividades por conta do isolamento necessário para conter a disseminação da covid-19.

“Criamos algumas alternativas. Professores de coral, assim como de ensino coletivo de cordas e flauta, por exemplo, estão gravando vídeos para as crianças. Permitimos a elas que levassem os instrumentos para casa e temos recebido um retorno muito bom, em especial dos pais, que têm a chance de acompanhar de perto os estudos dos filhos, compartilhando com eles esse processo de aprendizado”, diz Edilson Ventureli, diretor executivo do instituto.

O violista Francismar Oliveira durante aula remota com o professor Pedro Visockas Foto: Francismar Oliveira

Nos últimos dias, no entanto, outra iniciativa tem ocupado os alunos e a estrutura da entidade. “Quando o maestro Silvio Baccarelli começou esse trabalho, foi para ajudar a comunidade de Heliópolis após o grande incêndio em 1996. No nosso DNA está a função de ajudar a Heliópolis. E hoje a demanda dela tem a ver com a pandemia”, explica Ventureli.

Realidades. Denise de Souza, de 37 anos, cresceu em Heliópolis. Integrou, em 1996, a primeira turma do instituto, onde hoje dá aulas de violino. “A comunidade é enorme e há dentro delas várias realidades”, ela explica. “A nossa preocupação é muito grande sobre os efeitos da pandemia.”

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Não sem motivo. Heliópolis ainda não registrou nenhum caso de covid-19. “Houve no início uma conscientização muito grande, mas a gente vê um relaxamento com as regras do isolamento”, diz Marcivan Barreto, da Central Única das Favelas.

Há ainda a questão da necessidade das famílias. Segundo Cleide Alves, da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, 40% dos 200 mil moradores são trabalhadores informais, e 20% estão desempregados. “Estamos trabalhando na conscientização, recebendo doações, mapeando famílias, distribuindo alimentos produtos de higiene”, explica.

Em meio a esse cenário, o Instituto Baccarelli resolveu se associar às entidades. Além de contar com a ajuda de seus patrocinadores, em seu site a instituição está recebendo doações em dinheiro, que, segundo Ventureli, serão utilizadas para comprar alimentos nos mercados da comunidade, ajudando a manter vivo esse comércio. E a sede do instituto, na Estrada das Lágrimas, passará a receber doações de alimentos. 

“Estamos na grande via de acesso à comunidade, onde há espaço para caminhões estacionarem e onde as pessoas que preferirem levar alimentos pessoalmente podem passar com facilidade de carro, de onde não precisam nem sair, pois estaremos a postos para coletar as doações”, explica.

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Denise é uma das musicistas que se ofereceu como voluntária para esse trabalho, assim como para ajudar a distribuir os alimentos na comunidade. “Estamos pensando em uma forma de tocar um pouco de música quando formos fazer essas entregas. A arte ajuda”, ela diz. “Vários alunos e professores querem ajudar. Vivi aqui minha vida inteira e sei como é um trabalho importante”, completa Daniela Correia, ex-aluna de violino e hoje chefe do arquivo musical.

Tocando juntos. “Somos uma entidade que trabalha com a arte. Mas acima de tudo existimos para servir à comunidade, não o contrário. É preciso ter clareza do momento e coragem para mudar de rumo, mesmo que seja por pouco tempo, enquanto esperamos que a música volte a soar. Porque ela vai logo voltar a soar”, afirma Ventureli.

Kleicy Moraes, integrante da Sinfônica Heliópolis Foto: Kleicy Moraes

Francismar e Kleicy têm certeza disso. E já imaginam esse momento. “A primeira coisa que imagino fazer depois disso tudo passar é poder ensaiar, poder reencontrar toda a turma do Baccarelli, da faculdade”, diz o violista. 

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“Eu sinto falta da orquestra, da sonoridade do grupo, de ouvir todos os sons, todos os instrumentos. Sou fascinada pelo conjunto da orquestra e não vejo a hora de fazer parte dele de novo”, diz Kleicy, evocando uma imagem que não é apenas musical.

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