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Com novo CD, Maria Gadú volta para casa, São Paulo

Totalmente introspectivo, ‘Guelã’ reflete bem a busca por mudanças e silêncio da cantora que ficou 7 anos no Rio

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Aos seis anos de carreira, cinco CDs e dois DVDs (mais de 760 mil cópias vendidas), que lhe renderam um lugar confortável na nova MPB, Maria Gadú queria silêncio. Queria sair de casa. E, para isso, há um ano e meio, voltou para sua casa: São Paulo. 

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“Troquei a vista de uma nesga de praia (na Urca) pela Avenida Paulista. Não vou à praia, não vou tomar café no Parque Lage. Mas vou comer pastel às 8 horas da manhã. Sou filha da Rua Augusta. Já estava há sete anos no Rio, e voltar para a minha cidade me ativou criativamente. Há nove meses parei de fumar, é como se a poluição me deixasse satisfeita”, brinca a cantora, hoje com 28 anos. 

“Sair de casa” significou se separar dos músicos com os quais tocava desde sua ruidosa estreia, em 2009, marcada pelo hit pueril Shimbalaiê. O grupo que a cercava era bem mais experiente. Em Guelã, o novo CD, Gadú assumiu a produção, com a mulher, Lua Leça – com quem se casou, sem estardalhaço político-afirmativo, em 2013 –, e Luísa Corsini, que trabalha com ela desde o começo da trajetória na gravadora Som Livre. As composições são de dois anos para cá. 

Maria Gadú lança o CD Guelã Foto: GABRIEL WICKBOLD/DIVULGAÇÃO

“Não é que não queira ser de grupo, serei eternamente plural. Mas acho que a gente já tinha realizado tanta coisa... Eu não sabia mais quais eram as minhas limitações e virtudes. Fui estudar instrumentos e sonoridades. Precisava desse silêncio, e saiu esse disco”, conta a cantora, que deu cabo desse “saco de decisões” quando se encaminhava para o fim da turnê de Mais Uma Página (2011), o segundo CD autoral, que se estendeu até o ano passado. 

Em Guelã, que significa gaivota num dialeto crioulo do norte da América do Sul, e cuja capa é ilustrada pela foto de uma mulher alada da artista visual Catharina Suleiman, essa introspecção é visível desde a primeira faixa, Suspiro, que anuncia uma “feliz nova era”. E na instrumental e etérea Sakedu (parceria com a cabo-verdiana Mayra Andrade). E na oitava e última, Aquária, em que a voz de Gadú só aparece depois de três minutos. 

Obloco, radiofônica e sobre um carnaval heterodoxo (“minha carne é de carnaval, mas meu coração, não, ela se explica”), puxa o CD; Tecnopapiro, escreveu para a mãe, que se ressente da superconexão tecnológica dos nossos dias. Ela própria não curte nem compartilha: “Quero encontrar as pessoas e falar as coisas de verdade, e não ficar postando no Facebook”, diz Gadú. 

A romântica Semivoz, feita para Lua, evidencia a guitarra, instrumento ao qual a cantora já se sente tão à vontade quanto ao velho violão. “Estou estudando há dois anos. Não tenho pretensão de ser guitar hero, nem tenho talento para isso”, avisa. 

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A entrevista ao Estado foi numa casa que ela mantém desocupada no bairro de São Conrado, para uso de amigos artistas, e na qual vem ensaiando para os shows. Os primeiros serão no Auditório Ibirapuera, nesta sexta, 5, e sábado, 6; dia 12, ela canta em São Caetano, no Teatro Municipal Paulo Machado de Carvalho, e depois viaja pelo Brasil

A eloquente Trovoa, quase declamada, é a única faixa do CD composta por outro – é de Maurício Pereira e foi gravada pelo Metá Metá. Mas em versos como “acho que eu teria um troço/se você dissesse/que não tem negócio”, é a verve de Gadú que parece se apresentar. Foi a primeira música a ser escolhida para o disco, que ela considera inaugural.  “É meu primeiro álbum. Há uma linha que percorre da primeira canção à última. Nada nele é um desejo fugaz. É um retrato desse meu momento. Os outros são álbuns de fotos”, compara a cantora, que, desta vez, dispensou regravações de sucessos – no passado, deu sua versão a clássicos tão distintos quanto Baba (Kelly Key/Andinho) e Ne me Quitte Pas (Jacques Brel). 

“Esses últimos três anos foram bem épicos. Perdi sete amigos. Preciso saber exatamente o que quero fazer, não quero mais nada a esmo. A idade traz um discernimento maior. Olho para a minha trajetória com orgulho e gratidão”, observa Gadú, agarrada à buldogue inglês Amora. 

O début, a febre, a síndrome do segundo disco, o deslumbramento com o contato com ídolos (como Caetano Veloso, com quem ela fez turnê, a qual ela diz ainda não ter “digerido”), o disco de compilação de duetos Nós, ideia comercial da gravadora, tudo parece ter resultado numa inequívoca sensação de liberdade: “Sinto uma libertação por não ter que ser uma baita cantora. O Brasil está se desvinculando do paradigma do ‘país das cantoras’. Eu tenho me encaixado cada vez menos nisso”.

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