Coleção destaca glamour nostálgico das divas brasileiras

Lançamento reúne 13 títulos de nove cantoras brasileiras, como Ângela Maria

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Por Agencia Estado
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Num ano marcado por reedições de peso do acervo das gravadoras, a coleção As Divas (WEA) chega para adicionar um toque de glamour nostálgico ao clima de fim de ano. São 13 títulos de nove cantoras brasileiras do catálogo da gravadora Continental, que saem pela primeira vez em CD. Ângela Maria, Doris Monteiro, Isaura Garcia e Emilinha Borba foram contempladas com dois CDs cada. As outras - Ana Lúcia, Helena de Lima, Carmen Costa, Aracy de Almeida e Vanusa - têm só um na seleção do pesquisador Rodrigo Faour. Em 1961, Ângela estava no auge da exuberância vocal, como confirmam as gravações dos álbuns Não Tenho Você e Quando a Noite Vem. Era "uma voz para milhões", como assinalava o subtítulo do segundo desses discos, que abre e fecha com dois deliciosos chachachás: Pepe, de letra divertida, e La Boa. Ângela também canta balada, bolero, samba e canções mais densas como Os Olhinhos do Menino (Luiz Vieira). Em Não Tenho Você ela recriou um de seus êxitos dos anos 50, justamente a que dá título ao disco, e emplacou a balada-rock A Noiva (J. Prieto), além de outros boleros e sambas-canções, tendo como um dos arranjadores o mesmo Severino Araújo que dividiu a tarefa com Radamés Gnatalli no outro álbum. São dois dos melhores títulos da coleção. Como Marlene, a deslumbrante Doris Monteiro tem dois momentos da carreira confrontados: o do final dos anos 50 e o do início dos 80. Em Vento Soprando (1958) ela imprime seu charme com suingue e sentimento, por belezas assinadas por Fernando César em forma de samba-canção, toada, bolero, fox e valsa, com arranjos de Radamés Gnatalli e Renato de Oliveira. Atingida pelo mau gosto que reinaria nos anos 80, ela ainda assim mantém a classe em Doris Monteiro (1981), a despeito dos arranjos e teclados horrendos para canções como Meu Nome É Ninguém (Haroldo Barbosa/Luiz Reis) e Bilhete (Ivan Lins/Vitor Martins). Destaque para a menos prejudicada Memórias do Café Nice (Artúlio Reis/Monalisa). Tão classuda quanto Doris era Ana Lúcia, revelada no programa de tevê Almoço com as Estrelas. Descrita por Airton Rodrigues, que comandava o show televisivo e a "descobriu", como a suavidade em pessoa, Lúcia tinha no canto a densidade de uma Maysa, guardando certas semelhanças no timbre vocal com ela. Em 1959, em meio ao rebento da bossa nova, lançou o ótimo LP homônimo de estréia, incluído nesta coleção, interpretando o fino do samba-canção da época, sua especialidade. Os arranjos de Guerra-Peixe e Johnny Alf, entre outros, harmonizam com o bom gosto do repertório, que inclui O Que Tinha de Ser (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), outro Jobim raro (Esquecendo Você) e Da Cor do Pecado (Bororó). O samba-canção também era o forte de Helena de Lima (1917-1999). O álbum Vale a Pena Ouvir Helena (1958) é inteiramente dedicado a esse gênero. Intérprete situada na fronteira entre o intenso e o brando, Helena contou com belíssimos arranjos do maestro Rafael Puglielli. O repertório redondo inclui Ave Maria no Morro (Herivelto Martins), Por Causa de Você (Tom Jobim/Dolores Duran), Mundo Novo (Maysa) e Bom Dia, Tristeza (Adoniran Barbosa/Vinicius de Moraes). É dor-de-cotovelo das mais chiques. Em um de seus discos, o de 1969, Isaura Garcia (1919-1993) dedica-se ao cancioneiro consagrado de Billy Blanco (sambas mais suingados, como Pano Legal e Piston de Gafieira) e Ary Barroso (canções mais densas, como Três Lágrimas, Risque e Inquietação). No outro, de 1968, com arranjos menos datados e interpretações impecáveis, ela une Noel Rosa ao então novato Chico Buarque. O próprio Chico escreveu o texto da contracapa do LP, reproduzido no encarte do CD, felicitando a iniciativa de aproximá-lo do autor de Feitio de Oração e da menos conhecida Suspiro (parceria com Orestes Barbosa), que notoriamente o influenciou. Noel também assina todas as faixas do disco Ao Vivo e à Vontade, que Aracy de Almeida (1914-1988) gravou no Teatro Lira Paulistana, em São Paulo , em 1980. Além da boa música, Araca - mais conhecida na época como pândega jurada do quadro de calouros do Programa Silvio Santos do que como a grande intérprete de Noel que foi - dá show de humor, com o habitual veneno. Nem ela nem Carmen Costa (no álbum homônimo lançado no mesmo ano de 1980) estão em sua melhor forma vocal. Além de contar com arranjos pasteurizados (ah, os anos 80), Carmen também oscila no repertório, embaralhando Noel (Dama do Cabaré), Dalto (Morena) e Zé Ramalho (Garoto de Aluguel), entre outros veteranos e contemporâneos. Difícil saber os motivos que levaram uma senhora a interpretar uma letra sobre um garoto de programa, em primeira pessoa e no masculino. Os anos de glória de Emilinha Borba (1923-2005) também já tinham passado quando ela lançou Oh! As Marchinhas (1981), com Jorge Goulart, mas a união de dois dos maiores cantores do carnaval brasileiro rendeu momentos divertidos nesta antologia com mais 40 marchinhas reunidas em pot-pourris. A Marlene de Calendário Musical (1957), seu primeiro LP-solo, mostra outras facetas. São 12 faixas, a maioria composta especialmente para ela, um quarto delas tendo Braguinha como um dos autores, cada uma com referência a um dos 12 meses do ano. Além dos tradicionais sambas e marchas, ela também exibe talento para o bolero e a toada, de acordo com o clima de cada estação do ano. No álbum homônimo de 1973, e o mais pop da coleção, Vanusa tem Manhãs de Setembro como grande trunfo. Composta por ela em parceria com Mário Campanha, é, além do maior sucesso de sua carreira, a que abriu caminho para uma série de letras feministas. No mais, ela interpreta (e grita) canções de Antônio Marcos (seu marido na época), Zé Rodrix; traz para seu perfil pop o clássico da dor-de-cotovelo Neste Mesmo Lugar (Armando Cavalcanti/Klécius Caldas) e se garante no suingue de um samba de Antonio Carlos, Jocafi e Ildázio Tavares (Mercado Modelo). Mas como é bom voltar a ouvir Ângela, Doris, Helena e Ana Lúcia.

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