Clássicos do Aerosmith para 62 mil; e Velvet Revolver

Aerosmith agradou alguns e desagradou outros; Velvet teve de superar problemas

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Por Agencia Estado
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Segundo a organização, 62 mil pessoas foram ao Estádio do Morumbi na noite de quinta-feira, 12, para assistir ao único show no Brasil da turnê sul-americana da banda Aerosmith. O concerto complicou o trânsito em toda a região do Morumbi, desde as pontes Eusébio Matoso e Morumbi. Mesmo assim, boa parte do público conseguiu chegar ao estádio antes do show de abertura, a cargo da também aguardada banda Velvet Revolver, que subiu ao palco às 21h05. Apesar de megashows requererem atenções redobradas, esse foi tranqüilo, com algumas ocorrências de furtos, perdas de documentos e desmaios, de acordo com as polícias civil e militar. "Se vocês pensam que nós não sentimos sua falta, vocês se iludiram, baby!", disse o cantor Steven Tyler, que tinha se apresentado no mesmo estádio pela última vez havia 13 anos. A banda mostrou, de diversas maneiras, sua disposição como reconhecimento pelo entusiasmo dos fãs: Joe Perry chegou a tocar guitarra espancando as cordas com sua camisa e, depois, se jogou no tablado da bateria. Gostamos muitíssimo, por Adriana Del Ré e Livia Deodato O Aerosmith tinha tudo para fazer um show burocrático. Motivos para isso não faltaram. Em primeiro lugar, o público já estava ganho antes mesmo de o show começar. Afinal, a banda foi responsável pela trilha sonora da adolescência de muita gente ali no Morumbi. Em segundo: no set list fornecido aos jornalistas antecipadamente, a promessa era de um sucesso após o outro, de cabo a rabo. Enfim, nada de novo no Reino da Dinamarca. Com essa combinação, Steven Tyler e companhia nem precisariam despender muito esforço, se assim quisessem. Mas, mesmo com quase 40 anos de estrada, a banda mantém um vigor que muita bandinha de rock por aí não exibe. E cá entre nós: com aquele vozeirão, aquele bocão, aqueles cabelos esvoaçantes e aquela energia contida no corpinho de Tyler, fica difícil um show cair na mesmice. Delírio supremo O público foi ao delírio supremo do começo ao fim com o performático vocalista, desfiando em doses homeopáticas e lisérgicas Falling in Love, Cryin?, I Don?t Wanna Miss a Thing, Janie?s Got a Gun, Jaded. Quer mais? Tyler ainda lançou um ?obrigado? sem sotaque gringo e conclamou uma hegemonia efêmera entre o público e a banda com a frase ?nós é f...?. Isso sem contar a guitarra arrepiante de Joe Perry, que foi melhorando mais e mais com o passar das décadas. Tudo bem: o repertório foi pensado para abrigar os grandes hits. E ponto. ?Não teve nenhuma novidade?, podem argumentar os mais puristas, que acham que um show de rock de verdade precisa vir com uma dose cavalar de ?bagaceirice? (som sujo, atitude rebelde, vocalista mordendo morcego ao vivo, etc.). Mas como jogar no mármore do inferno uma banda que os brasileiros não viam ao vivo havia mais de dez anos e que resolveu montar um show para fãs, que ficariam satisfeitos com um repertório cheio de músicas antigas quanto novas? Canções que marcaram (quiçá, eternizaram) a juventude de muitos que ali estavam revivendo o significado que cada uma delas teve durante uma vida. Se esse foi o pensamento do Aerosmith, então eles cumpriram bem o seu papel. Gostei, ma non troppo, por Flávia Guerra ?Esta é para os fãs?, dizia um, veja só, fã do Aerosmith durante a execução de Sweet Emotion. Emocionante foi de fato o show destes dinossauros do hard rock prêt-à-porter em que se tornaram as grandes bandas de outrora. Shows são sempre para os fãs, não? E grandes turnês têm de conter os clássicos, aquelas que todos pagam literalmente para ver e ouvir. Então, dá-lhe Cryin, Wake It Takes e Dream on na multidão que se reuniu para celebrar a banda que não vinha ao Brasil desde 1994. ?Vocês acham que não sentimos a falta de vocês. Então, dream on, São Paulo?, disse um protocolar Tyler. A frase soou como ?fill in the gaps? (preencha a lacuna), ?Dream on, São Paulo. Dream on, México, Roma, Londres. Dream on...? Sim, você quer ver um show de rock de fazer delirar de verdade e professar, barrocamente, a religião do rock? Então, vai sonhando. Tyler e sua trupe fizeram um belo show. Impecável. Mas quem disse que o rock tem de ser impecável? Onde estão as tripas e os corações? Resquícios de uma adolescência já passada? Talvez. Mas o fato é que Tyler e cia. fizeram um show competente, som adequado, caras e bocas, a velha calça desbotada e rasgada, ou coisa assim, e contorcionismos de um mestre iogue (com direito até a ?ventos nos cabelos?), riffs virtuosos de Joe Perry, gritos e sussurros no microfone. Sim, tudo isso teve sim, senhor. Mas há algo de menos no reino de Tyler. Talvez um Come Together emprestado de uns tais de Beatles (e que a banda já gravou magistralmente em uma releitura que conseguiu melhorar o original) fizesse a galera que lotava a lateral direita do Morumbi delirar, levitar ou conjugar qualquer verbo chavão quando o assunto é show de rock. ?Ele tá parecendo a Danuza Leão?, disse um. ?Tá mais para a Rita Lee, Ana Maria Braga?, brincou outro. ?Ele é maravilhoso assim mesmo?, gritou a fã que estava, na verdade, mais interessada em namorar. ?O som tá ruim. Tá parecendo um showzinho pequeno, você não acha??, reclama outro. Tem sempre alguém que diz: ?Toca Raul!? ?Não, não. Tá mais para toca Ana Júlia?, retrucou o outro. ?Faltou o Tyler incorporar o Iggy Pop?, sonhou e encerrou o assunto um fã satisfeito, ma non troppo. É. Em tempos Rebeldes, fazer o esperado é fazer muito. Palmas para o Aerosmith. Talento do Velvet Revolver sobrevive à precariedade, por Jotabê Medeiros O Velvet Revolver parece não se importar, mas uma banda tão bacana ser tratada como um grupo de segunda linha é um tanto triste. Para ter o privilégio de acompanhar o superestruturado circo do Aerosmith, eles se sujeitaram a um som ruim, iluminação péssima, imagem claudicante entre outras coisas. Deu vontade de pegar um busão e rumar para o Rio de Janeiro, para ver como funciona um show deles sozinhos, completo, sem caminhão de mudança no palco. Não é à toa, portanto, que o mecanismo mais acionado pelo cantor do Velvet, Scott Weiland, fosse um megafone - era preciso mais que um deles para ouvir sua voz no meio daquela equalização precária. Ele é um grande performer, um daqueles roqueiros incendiários, de gestos feitos de síncopes, gritos e olhares paranóicos, uma dúzia de "fucking" e "motherfucker" a cada frase Mas estava difícil na noite de quinta, 12. Por exemplo: o público só conseguiu ver nos telões a imagem do seu grande ídolo o guitarrsita Slash, lá pela metade do show, quando o cameraman achou de enquadrá-lo. Libertad A banda abriu a noite com o rock-n?-roll chuckberryano Let it Roll, uma das novidades do novo disco que pretendem lançar em maio, Libertad. "Vocês estão se divertindo? Vocês estão ouvindo?", perguntou Weiland, para uma resposta em uníssono lá das arquibancas do fundão: "Nãooooooooooooo!" Ainda assim, debaixo daquele esqueleto de desencontros, havia grandes músicos em cena, como Slash, o baixista McKagan e o baterista Matt Sorum, que vestiu uma camiseta da seleção brasileira para exteriorizar todo seu entusiasmo na noitada. Em cena, às vezes, temos a impressão de que Scott Weiland foi escolhido como vocalista do Velvet Revolver por emular em certos momentos a figura onipresente de Axl Rose (ex-colega de Slash, McKagan e Sorum no Guns N?Roses). Isso é evidente nos diálogos entre sua voz e a guitarra, como na balada Fall to Pieces, do álbum único do Velvet, Contraband, que apareceu lá pela metade do show. Essa superposição de papéis deixa de ser sugerida para ser paródica, no entanto, quando ele canta as próprias canções do Guns, como It?s so Easy, para delírio de uma multidão de viúvas do grupo dos anos 90. Aí, em vez de ser uma banda cover de si mesma (como foi Roger Waters, por exemplo), eles fazem uma releitura mais irônica, menos formal daquele período de ouro de suas carreiras. Rap metal Aos poucos, o grupo deixava entrever o que poderá ser seu próximo disco, o tão falado Libertad. A sétima música que Scott Weiland entoou foi Get Out the Door, que lembra aqueles bons momentos iniciais do rap metal, uma mistura do rhythm?n?poetry do hip-hop com o barulho do heavy metal. Comparando os dois heróis da guitarra na noitada, Joe Perry e Slash, é possível dizer que Slash perdeu a parada. Perry mesmo parecendo que fazia o tempo todo propaganda de xampu, com ventilador no cabelos, é perfeito na sua interpretação moderna do velho blues americano, e foi matador quando interpretou Can?t Stop Messing, mostrando que sua maior qualidade é jamais negar o passado, mas sem se tornar refém dele, remodelando, recosturando, ensinando a milhares de garotos de onde veio a sua música.

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