Chorões reclamam espaço próprio em novos projetos

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Por Agencia Estado
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Tarde de domingo na Praça Dom Orione, Bexiga. Em meio às antigüidades da tradicional feirinha, músicos de choro, chorões, tocam composições de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo. Contemporâneos aos artefatos lá expostos, os senhores reunidos em volta da mesa de ferro, de cavaquinho, violão, flauta e pandeiro em punho, enxergam nos "sagrados" encontros dominicais uma forma de preservar o único gênero instrumental genuinamente brasileiro, hoje escondido em poucos bares da cidade. A perspectiva de um músico de choro em São Paulo está longe de ser das melhores. Mas isso pode mudar. Na trilha de Brasília, que há cinco anos reorganizou seu clube profissional de choro e há dois plantou a primeira semente para a criação de uma escola voltada exclusivamente para o ensino do gênero, o músico paulista Isaías do Bandolim quer criar, em São Paulo, um novo clube do choro. Por enquanto, ainda é um projeto. O local para sediá-lo, provavelmente, será o antigo prédio dos Correios, na Praça do Correio. Resta o posicionamento da Secretaria de Cultura da cidade. Conforme as intenções de Isaías, o Clube do Choro de São Paulo será similar ao da Capital Federal. Na sua definição, "será um local onde as pessoas irão para ouvir e aprender o choro, um centro cultural, e não um bar." Entre os muitos argumento do músico, cita-se o recente show dos grupos cariocas Nó em Pingo D´água e Trio Madeira Brasil promovido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo na Praça da Paz do Parque do Ibirapuera. "Quando a prefeitura faz show de choro, chama músicos de outros Estados", lamenta. "Não estou culpando esse pessoal que vem tocar por aqui, culpo os empresários e governantes que não nos dão as mesmas oportunidades." Para Zezinho do Pandeiro, líder dos Chorões de Pirituba, que vez em quando aparece na praça Dom Orione para uma jam, a criação do clube vai auxiliar na evolução do choro: "No clube, poderemos variar o repertório. Isso não acontece quando fazemos música para ambiente", explica. "Além do mais, as pessoas que aqui vêm gostam de choro, mas não querem apenas assistir ao show. Elas não prestam atenção em um solo, um acorde bem tocado", completa. Fechando a lista de lamentações e justificativas, há o descaso com os músicos. "Para se apresentar hoje em dia, a gente tem que aceitar um cachê de R$ 50. Inúmeros companheiros estão abandonando", indigna-se o flautista Carlos Poyares, ele mesmo, um ótimo exemplo. Fim da boemia Capixaba, aos 71 anos, 81 discos lançados - o último é Uma Chorada na Casa do Six, pela Kuarup - Poyares está em vias de ser esquecido, abandonado no tempo. Apresenta-se por prazer aos sábados na Benedito Calixto, em Pinheiros, e aos domingos na Dom Orione. Substituto de Altamiro Carrilho no Regional do Canhoto, célebre conjunto da Rádio Mayrink Veiga nos anos 50, o flautista espera ansiosamente por novas oportunidades de trabalho. Sobrou pouco dos tempos da boemia, apenas as vestes elegantes, o cabelo engomado e o pente no bolso da camisa. Tem orgulho do que fez, mas gostaria de fazer mais. - Não está cansado Poyares? - O Moreira da Silva morreu aos 98 anos. Eu só morro depois de gravar o centésimo disco. Carrega consigo uma pasta repleta de documentos, reportagens de jornal, capas de discos antigos. No meio da papelada, dois projetos aprovados pelo Ministério da Cultura do Governo Fernando Henrique. Falta patrocínio para que Poyares os realize. No mais interessante deles, o flautista pretende levar às faculdades do País a história da música instrumental brasileira. "É um show em que conto e toco a história", diz. Sem espaço em São Paulo para mostrar seu trabalho, está de viagem marcada para Brasília. Dias 5,6 e 7 de julho o flautista se apresenta no Clube do Choro da Capital Federal. Oboé e harpa Poyares é um dos muitos músicos que, a partir da reformulação do Clube do Choro de Brasília, em 1996, sob comando de Henrique Lima Santos Filho (Reco do Bandolim) voltou a ter uma ótima vitrine para expor seu talento. Nos últimos quatro anos passaram por lá, para citar alguns, Altamiro Carrilho, Hermeto Pascoal, Nó em Pingo D´água e Época de Ouro, o conjunto formado por Jacob do Bandolim nos anos 50. O renascimento do clube do choro, criado na década de 70 e abandonado nos anos 80 e 90, deve-se ao seu atual presidente, Reco do Bandolim. "Eu queria promover uma mudança substancial no clube", conta. Para tirar o projeto do papel Reco resolveu estudar a lei Rouanet. Com o projeto aprovado pela Esplanada dos Ministérios, o segundo passo foi sair em busca de patrocínio. Com o sucesso do clube, que lota suas salas nos quatro dias em que fica aberto, Reco pôde realizar um antigo sonho. Em 1998 foi criada a Escola Nacional de Choro Rafael Rabello. Delimitando sua linha pedagógica, a primeira escola de choro do Brasil não pára de ser procurada. No último semestre foram 852 inscrições, sendo 400 os alunos matriculados. Para Reco, o sucesso se deve a um único diferencial: ensinar aos brasileiros música brasileira. "As crianças vão para as escolas estudar música e nunca saem tocando a flauta de Pixinguinha. Tocam oboé, harpa. Isso não está certo." Futuro "Acho que este é um grande momento para, com um mínimo de apoio oficial, tirar do gueto esta porção mais chique da alma brasileira e tornar o choro uma atração tão associada ao Brasil quanto o Corcovado, o Pão de Açúcar e o carnaval. Algo como o jazz em New Orleans". O desejo do cavaquinista Henrique Cazes, transcrito das últimas linhas de seu livro Choro: Do Quintal ao Municipal, de 1998, está longe de se tornar real. Mas outros sonhos de Cazes, entre eles a Escola Nacional de Choro, não só saíram do papel como irradiam por todo o país um novo renascimento do gênero. Contudo, como apontam Reco do Bandolim, Carlos Poyares e Isaías do Bandolim, é preciso continuar batalhando para que os governantes percebam a importância do choro. A criação de um clube e de uma escola em São Paulo, nesse sentido, terá importância fundamental. "Eu já estou com quase 60 anos. A maioria dos chorões que toca na Benedito Calixto, na loja Contemporânea, já têm uma certa idade", diz Zezinho do Pandeiro. "É preciso que novos músicos apareçam e, principalmente, tenham espaço para tocar."

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