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Chiquinha Gonzaga agora é pop e tem sua história revista

Após 25 anos da primeira edição, livro sobre a pianista carioca ganha documentação inédita e tem 90 fotos

Por Francisco Quinteiro Pires
Atualização:

Chiquinha Gonzaga (1847-1935), considerada a primeira mulher, no Brasil, a compor uma opereta e uma marchinha de carnaval, a lendária Ó Abre-Alas. Foto: Acervo Edinha Diniz/Divulgação

 

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Chiquinha Gonzaga é pop. Depois de pagar o preço do esquecimento, por conta do seu comportamento livre, a compositora carioca experimenta "a celebridade e respeito do público", segundo Edinha Diniz, sua biógrafa. Passados 25 anos da primeira edição, Edinha está lançando uma biografia revisada, com documentação inédita, no Instituto Moreira Sales do Rio, às 19 h desta terça, 8. Chiquinha Gonzaga - Uma História de Vida (Jorge Zahar, 316 págs., R$ 39,90) mostra o processo de separação movido por Jacinto Ribeiro do Amaral, marido de Chiquinha, no Tribunal Eclesiástico do Bispado do Rio, além do matrimônio às ocultas de seus pais, um oficial do Exército e uma mestiça alforriada.

 

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Edinha acredita que as novas descobertas, ao se aliarem à catalogação da obra de Chiquinha no acervo do IMS-RJ (R. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, tel.: (21) 3284-7400), ajudam a superar a dificuldade de acesso dos estudiosos. Em duas semanas, o material poderá ser consultado no www.ims.com.br. A digitalização é um dos efeitos da transferência do patrimônio artístico da maestrina da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat) para o IMS.

 

"O interesse dos pesquisadores é crescente e agora eles poderão ter uma ideia mais integral da obra e da vida da compositora", afirma. Segundo levantamento de Edinha, que ampliou a iconografia do seu livro de 37 para cerca de 90 fotografias - algumas raras sobre o Rio, feitas por Marc Ferrez, Augusto Malta e Georges Leuzinger -, a produção da autora da marcha Ó Abre-Alas é composta de cerca de 2 mil músicas e 77 partituras para peças teatrais.

 

Com 29 anos, Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935) foi condenada à "separação perpétua" por "abandono do lar" e "adultério culpável". Em 1877, Chiquinha se divorciou um século antes de a lei brasileira do divórcio entrar em vigor (1977). "Ela renunciou à maternidade entendida como predestinação para exercer a sexualidade livre: estava a serviço de si mesma, das suas vontades e desejos", diz. "Seu modo escandaloso e pioneiro de viver a liberdade carrega algo que está vivo, por isso se explica a penetração de Chiquinha em todas as gerações." A sexualidade exercida livremente, diz Edinha, é "uma questão em aberto" para as mulheres atuais.

 

Outra documentação, também encontrada pela biógrafa no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio, registra o "casamento oculto" ou "casamento de consciência" entre José Basileu Neves Gonzaga e Rosa de Lima Maria, pais de Chiquinha, após 17 anos de concubinato (união estável entre homem e mulher que não se casaram). Não é preciso lembrar que, em meados do século 19, no Brasil, havia uma oposição social ferrenha à relação entre um indivíduo de "boa família" e uma descendente de escravos, alforriada no batismo. "O material achado na Cúria revela uma camada de segredo sobre Chiquinha: não se contou tudo sobre ela."

 

Lançada em 1984, a biografia de Edinha Diniz, que enfrentou resistência dos descendentes da maestrina, ajudou a aumentar a popularidade de Chiquinha, consolidada com Ó Abre-Alas, peça de teatro de Maria Adelaide Amaral, com minissérie da TV Globo e com os sambas-enredo das escolas Mangueira e Imperatriz Leopoldinense. Para a biógrafa, entretanto, a façanha musical é mais ousadia do que o comportamento social - Chiquinha teve um amante, João Batista de Carvalho, pai da última filha, e se relacionou com João Batista Fernandes Lage, o Joãozinho, quase 40 anos mais jovem. "Ela é o elo perdido entre a música europeia e a brasileira", diz. "Ao mexer na rítmica criando um gênero nacional, abriu caminhos para outros compositores."

 

Pianista, Chiquinha foi à rua, local proibido para as damas idôneas, cuja vida social se resumia à missa e às procissões. Tendo como mestre Joaquim Callado, considerado o pai do choro, que lhe dedicou a polca Querida por Todos, ela fez música para o consumo de uma nova camada social urbana, intermediária entre os escravos e os senhores. Uma das fundadoras da Sbat, que lutou pelos direitos autorais dos músicos e atores, Chiquinha, diz a biógrafa, deve muito do respeito conquistado à dedicação ao trabalho. Edinha afirma que as novas informações e os estudos futuros mostrarão mais detalhes da "luta e sofrimento, do qual a compositora reclamou na velhice". Chiquinha Gonzaga provou, com a dor de quem ouviu a voz da consciência, que uma mulher livre tem o seu lugar na história. 

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